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terça-feira, 29 de julho de 2014

Vale tudo para atrair investimentos

Rafael Vigna


ALEXANDRE LOPS/INTER/DIVULGAÇÃO/JC
Gestores apostam alto em ativos excêntricos, caso de jogadores como Wellington Paulista
Gestores apostam alto em ativos
excêntricos, caso de jogadores como Wellington Paulista
Na hora de comparar oportunidades, os investidores têm se deparado com produtos financeiros que fogem, cada vez mais, dos modelos tradicionais. Em um mercado essencial para diversificar carteiras, a busca por aprimorar desempenhos flutua entre riscos inusitados e opções que beiram o politicamente incorreto. Na atual indústria de fundos, não existem limites para atrair boas captações e gerar as melhores promessas de rentabilidade.
A indústria brasileira de fundos de investimento é responsável pela gestão de R$ 2,3 trilhões em ativos, o equivalente a 47% do PIB nacional em 2013. Entre as 13 mil opções disponíveis, em um mercado dividido por sete categorias, é possível encontrar alternativas que se encaixam em qualquer pretensão de rentabilidade e risco. Mesmo assim, o número de pessoas físicas – detentoras de 10 milhões de cotas – é considerado muito abaixo das expectativas e representa apenas 8,33% das 120 milhões de cadernetas de poupança ativas no País.
Na tentativa de ampliar o acesso, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) propôs a criação de um fundo de investimento de baixo custo para conquistar a classe média emergente. O chamado Fundo de Risco Soberano Simplificado, que deve possuir até 95% de seu patrimônio investido em títulos públicos federais ou ativos menos arrojados, é apenas uma das propostas de reformulação da Instrução 409, a principal norma regulatória deste mercado há 10 anos. 
A discussão que passa por audiência pública, conforme explica a diretora da CVM, Ana Novaes, ainda pretende reduzir as atuais categorias de fundos para quatro (fundos de ações, renda fixa, multimercado e uma nova, a de fundo de investimento no exterior). O conceito de “investidor qualificado”, utilizado para restringir a entrada em alguns produtos que envolvem maior risco e, portanto, um nível mais elevado de conhecimento, também será atualizado.  
A ideia é que a definição seja aplicada para aqueles que tiverem mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras. Atualmente, o piso fixado é de R$ 300 mil. O chamado “investidor superqualificado”, hoje com exigência de aplicação mínima estipulada em R$ 1 milhão, passará a ser classificado como “investidor profissional” e a CVM estuda estabelecer um volume superior a R$ 20 milhões para a soma das aplicações.  
Para essas faixas, que representam uma parcela representativa do mercado, a aposta em fundos significa uma excelente opção de diversificação das carteiras. Por isso, os gestores têm se desdobrado para formular modelos criativos e capazes de atrair a atenção dos grandes investidores. 
Nos últimos anos, duas modalidades, os Fundos de Investimento em Participação (FIPs) - que abrangem os private equities - e os Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) se destacam com cases bem-sucedidos. De olho nos melhores desempenhos, em comum, eles possuem a aposta em riscos bastante inusitados. 
Não faltam amostras no mercado nacional e também internacional. Um fundo de obras de artes 100% brasileiro promete devolver valorizações superiores a 200% em três anos. Outro, que adquire percentuais de direitos econômicos de jogadores de futebol, ampliou em mais de 250% o seu patrimônio líquido no primeiro trimestre de balanço.  
Nos Estados Unidos, investidores corroboram com uma estratégia que contempla a aquisição de uma carteira formada apenas por ações da indústria tabagista, armamentista e de cassinos. Por aqui, o polêmico estádio de abertura da Copa do Mundo, o Itaquerão, também é fruto da constituição de um FII. Apesar de fechado (sem negociação de cotas em bolsa), o Fundo Arena - formado pelas construtoras e o Corinthians - obedece às mesmas regras de qualquer outro fundo imobiliário tradicional.   
Vale tudo, mesmo, na busca por apresentar ofertas exóticas e com alto potencial de rendimento. O céu costumava ser o único limite respeitado. Não é mais. Em junho, o Bndes e a Embraer lançaram o primeiro fundo aeroespacial da América Latina.  O objetivo, segundo o gerente do departamento de investimento em fundos de Capital empreendedor do Bndes, Fernando Rieche, é fortalecer a cadeia produtiva aeroespacial, aeronáutica, de defesa e segurança.
Com patrimônio inicial de R$ 131,3 milhões, distribuído pelos cotistas BndesPar, Embraer e Finep (R$ 40 milhões, cada), Desenvolve-SP (R$ 10 milhões), e a gestora Portbank (R$ 1,3 milhão) a meta é promover a integração de sistemas relacionados aos setores por meio do apoio às pequenas e médias empresas. A expectativa é de que o investimento seja feito até 2017.

Produtos norte-americanos potencializam ofertas exóticas e inspiram negócios locais

Nos Estados Unidos, os fundos de vícios, Vicex, elevam ao máximo o conceito de investimento exótico. O produto norte-americano, criado em 2011, conta atualmente com US$ 309,8 milhões em ativos líquidos. Em 30 de junho de 2014, a aposta em papéis politicamente incorretos obteve 116,95% de retorno anual. A carteira é formada apenas por ações de indústrias tabagistas, alcóolicas, bélicas, armamentistas e de cassinos.  
Por aqui, alguns analistas destacam um novo private equity, em fase de prospecção de clínicas oncológicas em São Paulo. Um dos balizadores deste mercado, um tanto mórbido, seria a crescente demanda por tratamentos de câncer no País. 
No Brasil, entretanto, as opções mais excêntricas costumam depender da orientação da taxa Selic. Em 20 anos de Plano Real, os retornos obtidos com o CDI (Certificado de Depósito Interbancário) bateram qualquer tipo de investimento, conforme explica o analista Arthur Vieira de Moraes. Com rendimentos de 3.187%, a variação supera em 2.000% o desempenho do índice Ibovespa em igual período. 
O CDI funciona como a principal referência para os investimentos em renda fixa. Exemplos disso são os próprios fundos e os Certificados de Depósito Bancário (CDBs). “Nesse contexto, fica evidente que os juros elevados significam custos de oportunidades em alta e acabam desestimulando as outras modalidades”, sintetiza. 
No entanto, após uma breve temporada de Selic em queda, de acordo com Moraes, é possível perceber de maneira mais objetiva as novas opções no radar dos investidores. Para contornar baixos retornos com títulos públicos indexados a uma taxa de 7,25% ao ano, como a registrada em outubro de 2012, este tipo de produto tende a encorpar. 
Em um cenário oposto, os fundos de investimento captaram apenas R$ 1,98 bilhão no primeiro semestre deste ano. O valor, descontados os resgates e amortizações, reflete o pior desempenho desde 2002 – primeiro ano da série histórica levantada pela Anbima. No primeiro semestre de 2013, por exemplo, a captação somava R$ 103,6 bilhões. 
“Tudo faz sentido quando o juro é civilizado. Independentemente do tamanho do patrimônio de um investidor, é preciso ofertas de diversificação. Desde cinema até um estádio de futebol, se for dentro de um portfólio bem diversificado, não há razão para não investir”, defende o analista.
Para Moraes, o mercado de ativos extravagantes não é incipiente no País. Pelo contrário, o entrave para o desenvolvimento em maior escala é derivado, assim como em qualquer modalidade, da falta de liquidez. “O mercado é maduro, conta com produtos sofisticados e legislação muito bem amarrada. O que falta, de fato, é liquidez. O dinheiro não está escasso, mas parado em uma caderneta de poupança ou num CDB. A nossa indústria é robusta e tem gestores qualificados, mas o investidor acaba não fazendo a sua parte”, comenta.





Arte e cinema são alternativas de rendimento em momentos de recessão econômica

As obras de arte obedecem à lógica dos chamados ativos reais que, de maneira semelhante ao ouro, costumam se tornar opção prioritária nos momentos de recessão. Com essa prerrogativa, Heitor Reis liderou a constituição do Brazil Golden Art (BGA). O fundo, sob a gestão da Brasil Plural, foi criado em 2011, com cotas mínimas de R$ 100 mil, sem restrição aos investidores qualificados, e como uma resposta à crise do subprime norte-americano. 
Desde então, a estratégia do FIP, considerado pioneiro na América Latina, aportou R$ 40 milhões, captados de 70 investidores, na aquisição de mais de 650 obras de arte. “Percebemos que o mercado de arte internacional teve desvalorização de 30%, mas o brasileiro continuou alavancado. Montamos coleções de arte contemporânea brasileira. Pelo nosso cálculo de valuation, teremos de 200% a 300% de valorização dos ativos, um percentual acima de qualquer outra modalidade de investimento”, comenta Heitor Reis. 
Na fase de desinvestimento, a aposta nos ativos de menor liquidez tem confirmado o potencial. Os canais de venda, além dos leilões internacionais já programados até o fim do ano, priorizam a oferta aos próprios investidores, muitos deles também colecionadores de obras de arte. “Como trabalhamos com uma carteira voltada a 70% de aquisições de obras de artistas emergentes e 30% de nomes já consagrados, foi preciso acompanhar esse movimento e especular as possibilidades de valorização. Eu diria que é um produto financeiro que foge do retorno tradicional”, sintetiza. 
Assim como o BGA, os fundos de incentivo ao cinema, os chamados Funcines, atuam no desenvolvimento de um mercado pouco usual. Instituída em 2006, pela Medida Provisória 2.228-1 e Lei nº 11.437, a modalidade oferece benefícios aos investidores, como abatimento no Imposto de Renda e ganhos reais em eventuais ações de marketig. Atualmente, existem nove opções ativas registradas na CVM. 

Balanços trimestrais do Soccer BR indicam aquisições operacionais pouco comuns


Há cinco anos, o lançamento do FIP Soccer BR1 abriu as portas para a constituição de modelos de investimento capazes de reproduzir, no mercado regular, o que já ocorre de maneira privada nas negociações de compra e venda de participações de jogadores de futebol. Apesar de fechado, ou seja, sem negociação de cotas em bolsa, o fundo é considerado a primeira experiência brasileira no gênero, que já é uma realidade em pelo menos três grandes clubes europeus: o Sporting, o Porto e o Benfica, todos com sede em Portugal. 
De acordo com alguns jornalistas esportivos, o Soccer BR1 funciona como braço para a forte atuação do Banco BMG - patrocinador de clubes como Cruzeiro e Atlético Mineiro - no mercado esportivo. A instituição financeira não confirma a informação e a gestora, a Intergral Investimentos, também prefere não comentar o assunto. 
O fato é que o fundo existe, está registrado na CVM, é proprietário de 100% do capital social de uma empresa de participações (a Vevent) e de um clube de futebol (o Coimbra), da segunda divisão mineira. O produto financeiro começou a operar em outubro de 2009, com patrimônio líquido de R$ 8,3 milhões, divididos em 8,1 mil cotas. 
Em apenas três meses, o patrimônio saltou 259,04%, para cerca de 30 milhões, decompostos por 30,1 mil cotas precificadas em cerca de R$ 995,8 mil cada. A rápida escalada, por si só, demonstra o potencial da modalidade que ainda depende do aval da Fifa para deslanchar. 
Os balanços trimestrais do Soccer BR1, disponíveis na CVM, indicam aquisições operacionais pouco comuns e de difícil comparação de preços referenciados no mercado. Entre os 22 ativos discriminados na listagem do último relatório - com base no período entre abril e setembro de 2013 -, estão o centroavante colorado Wellington Paulista e o atacante Caio, atualmente, emprestado pelo Internacional ao Vitória da Bahia. 
Os valores negociados não são apresentados, mas o documento aponta que a assembleia de cotistas definiu que, a partir de setembro de 2013, os pagamentos de dividendos e de juros sobre capital próprio passariam a ser reincorporados automaticamente ao patrimônio para a realização de novos investimentos. 
Um modelo mais franco deste tipo de produto pode ser encontrado na Europa, onde importantes clubes constituíram fundos regulados pelo órgão equivalente à CVM local a fim de transacionar, abertamente, as cotas obtidas em transferências de atletas. Embora muito se tenha falado de clubes que poderiam trilhar o mesmo caminho, no Brasil, nada avançou em direção às negociações entre investidores pessoa física em ambientes regrados como a bolsa de valores. 
Conforme explica Eduardo Carlezzo – advogado e sócio de uma consultoria de soluções jurídicas esportivas –, há anos, existe a expectativa de que fundos desta natureza pudessem decolar. Entretanto, segundo o especialista, os interessados dependem de uma definição favorável da Fifa. O assunto foi tema central do congresso da entidade máxima do futebol, realizado em São Paulo, em junho, por ocasião da Copa do Mundo. 
“Isso não atrapalha as transações, porém impede, na prática, que surjam novos fundos regulados. As transações de direitos econômicos são uma realidade. Contudo, os negócios ocorrem em ambiente privado, ou seja, sem que isto seja registrado em qualquer lugar. O grande desafio é profissionalizar e instrumentalizar o mercado mediante a constituição de fundos regulados pela CVM”, comenta.
Carlezzo esclarece que a aquisição de direitos econômicos é um negócio de alto risco. Primeiro, pela imprevisibilidade, pois é preciso apostar no sucesso das carreiras, o que nem sempre ocorre. Segundo, em razão do chamado risco de crédito. “Infelizmente, os clubes nacionais não são cumpridores de suas obrigações. Sobretudo, a ameaça maior neste momento vem da própria Fifa, que decidirá apenas em maio de 2015 a legalidade ou não das operações”, afirma.
Para o advogado, é possível que brasileiros busquem esse tipo de investimento no exterior. No entanto, sob o aspecto regulatório, ele lembra que a Uefa informou à Fifa que, se a entidade não proibir de forma global a negociação de cotas dos direitos econômicos, o órgão europeu pretende fazê-lo em escala continental – o que, fatalmente, inviabilizaria a constituição de novos fundos inspirados nos clubes portugueses.



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