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quinta-feira, 16 de junho de 2011

EUA pagam delatores de fraudes contábeis

Valor Econômico

Mercado de capitais: Estrangeiros podem denunciar violações à SEC

Cristine Prestes | De São Paulo

Empresas com ações em bolsas de valores nos Estados Unidos têm um motivo a mais para se preocupar em cumprir rigorosamente as regras do mercado de capitais local. A Securities and Exchange Comission (SEC) finalizou a regulamentação da lei que incentiva denúncias de fraudes contábeis e violações às normas por empresas que negociam ações no país. A partir de agora, quem denunciar uma fraude pode levar um percentual da multa aplicada à empresa quando a investigação culminar em condenação ou acordo. A regra vale tanto para denunciantes americanos quanto para estrangeiros. Pode se candidatar ao "prêmio" quem delatar fraudes cometidas em subsidiárias de companhias americanas de capital aberto instaladas em outros países ou em companhias estrangeiras que possuam ações em bolsas americanas.

Aos delatores - os "whistleblowers", na denominação da nova lei "Dodd-Frank Act", o benefício oferecido é atrativo: 10% a 30% do valor das sanções aplicadas aos infratores. Alguém que tivesse, por ventura, denunciado ao órgão a fraude contábil que a General Eletric (GE) foi acusada de ter cometido para manter as projeções de lucro entre 2002 e 2003 poderia ter embolsado até US$ 15 milhões se a nova lei já estivesse em vigor. Em agosto de 2009, a SEC fechou um acordo com a companhia, que pagou uma multa de US$ 50 milhões em troca do fim das investigações.

Somente no ano fiscal americano de 2010 - que começou em 1º de outubro de 2009 e terminou em 30 de setembro do ano seguinte - a SEC arrecadou US$ 2,8 bilhões em multas aplicadas a empresas e pessoas físicas acusadas de fraudes e irregularidades. A maior parte disso foi pago em troca de acordos para encerrar processos em curso - e o valor individual das multas aplicadas nos últimos anos têm batido recordes. No ano passado, o Goldman Sachs foi multado pela SEC em US$ 550 milhões após fechar um acordo para encerrar uma investigação em que era acusado de ter enganado investidores com um produto hipotecário de alto risco. O delator, nesse caso, poderia ter recebido de US$ 55 milhões a US$ 165 milhões. "O incentivo financeiro ao denunciante é enorme", diz o advogado Carlos Ayres, especialista em programas de compliance e prevenção de fraudes do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

As regras da Dodd-Frank destinam-se principalmente a funcionários que tenham informações sobre irregularidades cometidas nas empresas onde trabalham. A recompensa, no entanto, pode ser concedida também a outros informantes, como fornecedores ou clientes. Ficam excluídos auditores, contadores e advogados que, por dever de ofício, devem manter sigilo em relação aos dados a que têm acesso por dever de ofício.

As denúncias à SEC também podem ser feitas por estrangeiros, e um detalhe incluído na regulamentação da lei facilita ainda mais o caminho para eles. Para que "whistleblowers" americanos se candidatem a um percentual das multas aplicadas às empresas, as provas oferecidas à SEC não podem ter sido obtidas mediante violação de leis federais ou estaduais. Já no caso de estrangeiros, as informações prestadas podem garantir o prêmio, mesmo que tenham sido obtidas por meio de violação às leis de outro país. "A SEC entendeu que não está em posição de checar se a forma de obtenção das provas da fraude foi ilegal ou não no país onde foi obtida", diz Carlos Ayres, que estudou a lei e sua regulamentação e já vem alertando seus clientes a respeito das novas regras.

A questão é polêmica e gerou uma série de sugestões e críticas à SEC durante o processo de regulamentação do capítulo 922 da Dodd-Frank, já que alguns entendiam que isso poderia incentivar pessoas a violarem leis estrangeiras na busca por informações e pelo prêmio. "A SEC não coloca a violação à lei local como empecilho, mas também não se trata de uma autorização para isso", diz o advogado Antenor Madruga, especialista em fraudes do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, para quem essa é uma questão a ser resolvida com a interpretação da nova lei pela Justiça americana.

Desde que a Dodd-Frank entrou em vigor, em julho do ano passado, a SEC contabiliza um aumento do número e da qualidade das informações que recebe sobre fraudes e irregularidades contábeis. A estimativa do órgão é a de receber cerca de 30 mil denúncias ao ano. A advogada Erika Kelton, que trabalha com "whistleblowers" há 25 anos e é sócia da firma americana Phillips & Cohen, conta que, imediatamente após a entrada em vigor da lei, em julho de 2010, começou a receber consultas de potenciais denunciantes, americanos e estrangeiros - e entre esses, de um brasileiro. "Já temos investigações em curso na SEC geradas por clientes que fizeram denúncias após a Dodd-Frank e em breve poderemos ter um brasileiro", diz.

A nova lei americana dá um passo adiante na tendência mundial de combater a corrupção protegendo o denunciante ao recompensá-lo também. Especialistas são unânimes em afirmar que, mais do que nunca, os programas de compliance e de prevenção a fraudes são necessários. "Antes, se uma empresa tivesse um bom sistema de prevenção, poderia ter sua pena reduzida caso fosse investigada pela SEC", diz Carlos Ayres. "Agora ela precisa dele para evitar que a fraude ocorra."

A advogada Isabel Franco, especialista em legislação anticorrupção e sócia do escritório KLA - Koury Lopes Advogados, afirma que não basta mais treinar funcionários e implementar programas de compliance com canais específicos para denúncias - como os "hotlines" - se elas não forem investigadas. Nesses casos, a própria lei Dodd-Frank tem uma resposta: se um funcionário fizer uma denúncia de fraude internamente e, em 120 dias, a empresa não investigá-la, ele pode reportar as informações à SEC e concorrer a um quinhão de uma eventual multa imposta pelo órgão. "O que a SEC está dizendo muito claramente é que as empresas têm que ter programas de compliance muito fortes e investigar denúncias, porque se não ela 'paga por fora'", diz Isabel.


Mercado é fértil para 'caçadores de recompensa'

O mercado nunca foi tão promissor para os "caçadores de recompensa". Até a entrada em vigor da lei Dodd-Frank, que premia quem denunciar violações à legislação que rege o mercado de capitais dos Estados Unidos, duas outras normas contemplavam os delatores com incentivos financeiros. Mas nenhuma delas têm a abrangência do novo programa de recompensas aprovado pelo Congresso americano, sancionado pelo presidente Barack Obama em 2010 e regulamentado pela Securities and Exchange Comission (SEC) no mês passado. "O programa vai mudar a forma de combate à fraude", diz a advogada Erika Kelner, sócia da firma americana Phillips & Cohen.

A concessão de prêmios a quem denuncia fraudes não é uma novidade nos EUA. Já existem regras desse tipo em duas leis. Uma delas é a chamada "False Claim Act", de 1883, que prevê a possibilidade de premiar quem fizer denúncias de fraudes cometidas contra o governo federal, como em programas militares ou assistenciais. Em outra ponta, uma alteração na legislação da receita federal americana feita em 2006 reformulou o programa de recompensas para quem denunciar fraudes fiscais.

Mas, segundo Erika Kelner, nenhuma das duas normas têm o alcance - e o impacto - que a lei Dodd-Frank terá. A firma da qual é sócia - a Phillips & Cohen - é uma das poucas que atua apenas com clientes "whistleblowers" (denunciantes) nos EUA. Ela assessora delatores a informarem a existência de fraudes a órgãos como a SEC e o U.S. Departament of Justice (DOJ) - o Ministério Público americano. De acordo com Erika, o programa de recompensas previsto na Dodd-Frank tem algumas particularidades. A principal delas é a possibilidade de anonimato aos denunciantes. Na prática, a pessoa que quiser fazer uma denúncia anônima pode ter seu nome mantido em sigilo, desde que tenha um advogado que garanta que ela, de fato, exista. Além disso, a Dodd-Frank prevê estabilidade no emprego a quem denunciar fraudes cometidas pela empregadora.

"A lei forma investigadores privados dentro das empresas", diz o advogado Antenor Madruga, sócio do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. "Ela trata todo empregado como um colaborador da SEC." Não é à toa que já começam a surgir "caçadores de recompensas" não apenas nos EUA, mas em outros países. O advogado Carlos Ayres, sócio do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, já encontrou na internet páginas de escritórios de advocacia americanos em outras línguas que não a inglesa com os benefícios oferecidos aos delatores pela lei Dodd-Frank. "Eles traduzem as normas para línguas de países onde a corrupção é maior", diz. Uma das páginas está em língua portuguesa. (CP)


Contexto

O incentivo financeiro oferecido a quem denunciar fraudes e irregularidades em companhias listadas na Securities and Exchange Comission (SEC) - a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) americana - foi estabelecido pela "Dodd-Frank Act". Sancionada nos Estados Unidos em julho de 2010, a lei fez uma profunda reformulação nas regras do sistema financeiro e do mercado de capitais do país, na tentativa de evitar crises sistêmicas como a de 2008. Entre os diversos dispositivos da lei está a seção 922, que cria a recompensa aos chamados "whistleblowers" - denunciantes, na tradução para o português. Após quase um ano de vigência da lei, a seção 922 foi regulamentada pela SEC em 25 de maio para ditar as regras do programa de recompensa, criado para estimular denúncias de fraudes contábeis.

Fonte: Matéria divulgada no site do Conselho Federal de Contabilidade

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