As
relações de trabalho entre atletas profissionais e seus clubes, devido a
suas peculiaridades, seguem algumas regras específicas, previstas,
atualmente, na Lei Pelé (Lei 9.615/1998). Alguns pontos, porém, não são contemplados na legislação. É o caso, entre outros, da dispensa por justa causa.
Assim
como tem como obrigação contratual a participação em treinos,
concentração, jogos, a manutenção do preparo físico e a disciplina
tática dentro de campo, o jogador de futebol também deve se preservar em
sua vida extracampo. Em casos extremos de indisciplina dentro ou fora
de campo, o clube de futebol pode demiti-lo por justa causa,
utilizando-se subsidiariamente dos casos autorizadores previstos no
artigo 482 CLT.
As
hipóteses de demissão de atletas profissionais estavam previstas no
ordenamento jurídico até 2011, quando foi revogado o artigo 20 da Lei 6.354/1976,
que dispunha sobre as relações de trabalho dessa categoria. O artigo
admitia a justa causa para rescisão do contrato de trabalho e
"eliminação do futebol nacional" nos casos de atos de improbidade, grave
incontinência de conduta, condenação a pena de reclusão superior a dois
anos e eliminação imposta pela entidade de direção máxima do futebol
nacional (no caso, a Confederação Brasileira de Futebol – CBF) ou
internacional (Federação Internacional de Futebol Association – FIFA).
Com a edição da Lei Pelé, a lacuna não foi preenchida.
Lei omissa
Como
ficaria então a situação do clube que, após longas tratativas com os
atletas e seus empresários, investiu milhões na contratação daquele
jogador considerado "diferenciado" em seu elenco e, depois, se viu às
voltas com baixo rendimento decorrente de sua falta de disciplina, por
exemplo? Para o ministro Alexandre Agra Belmonte, a discussão do assunto
tem grande relevância, uma vez que a Lei Pelé é omissa a respeito
desses casos.
O
ministro observa que a lei prevê apenas que o contrato especial
desportivo de trabalho pode terminar por dispensa sem justa causa, com a
transferência para outra entidade ou o retorno do atleta que estava em
inatividade num clube e se transfere para outro. Nesta última hipótese, o
fato de ele estar se transferindo para outra entidade significa a
quebra do contrato anterior.
Segundo
o ministro, esta atitude é licita, desde que o atleta pague uma
indenização ao clube empregador convencionada em até 2.000 vezes o valor
do seu salário médio – a chamada "cláusula penal" ou cláusula
indenizatória desportiva. Da mesma forma, nos casos em que ele anuncia
sua aposentadoria, porém volta a jogar em outro clube em menos de três
anos, também cabe a indenização.
Não
há previsão legal, portanto, para a dispensa do atleta por justa causa.
"Muitos especialistas entendem que a lei não faz a previsão porque
seria um ‘tiro no pé'", observa Agra Belmonte. "Seria o mesmo que o
clube estar jogando fora um investimento feito para ter o atleta, na
medida em que, ao despedi-lo por justa causa, ele estaria perdendo o
direito ao retorno do investimento".
O
ministro, porém, não acredita que os clubes pensem dessa maneira, e
cita como exemplo o caso do jogador Adriano, recentemente demitido por
justa causa do Sport Club Corinthians Paulista. "Muitas vezes, fica
amplamente demonstrada a necessidade de a entidade desportiva despedir o
atleta por justa causa", afirma. Nesses casos, ele defende o pagamento
de uma indenização ao clube. "Se na transferência de um clube para o
outro o primeiro tem direito a uma indenização por abandono de serviço,
da mesma forma o clube também deveria ser indenizado se ocorrem um dos
casos de despedida por justa causa previstos na CLT", assinala. "Se o
atleta deu causa ao término do contrato, ele tem que pagar a cláusula
indenizatória, disciplinada no artigo 28 da Lei Pelé".
A
despedida por justa causa também é defendida pelo advogado trabalhista
Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga. Ele considera razoável o
pagamento da indenização nesses casos, na medida em que o jogador
obrigatoriamente tem que ter uma disciplina muito maior do que um
trabalhador comum. Para o advogado, o atleta profissional deve se
resguardar para enfrentar um grande volume de treinamentos e jogos,
inclusive fora do período em que está à disposição do clube, e zelar por
sua imagem.
Para
Maurício Veiga, se o atleta, após ser demitido por justa causa, assinar
com outro clube em um prazo de até seis meses, este clube poderia ser
responsabilizado por esta cláusula indenizatória. "Este seria o
procedimento correto a ser utilizado, pois o ‘novo' clube estaria ciente
de que a demissão ocorrera por justa causa", observa.
(Dirceu Arcoverde/CF)
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