Roberta Mello
Depois das obras do Mundial, dos protestos contra a competição e antes mesmo dos jogos começarem, uma nova discussão se apropria do nome do evento mais discutido nos últimos tempos e começa a ganhar corpo. Trata-se de uma tentativa de parcelamento das dívidas com a União com mais segurança para o Executivo e benefícios aos contribuintes
Aprovada em 28 de maio deste ano, a Medida Provisória (MP) 638 pretende ampliar o Programa de Refinanciamento das Dívidas Tributárias com a União (Refis) para o parcelamento de débitos fiscais com a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) até dezembro do ano passado – antes era apenas até 2008 – e instituir o pagamento antecipado de uma parte do valor devido.
Ainda tratado por alguns como uma ampliação do Refis da Crise, de 2009, a verdade é que, independente do nome adotado, a medida traz mudanças relevantes, além do aumento do prazo dos débitos para até o final de 2013. A principal e mais polêmica delas é que, quem quiser aderir, desta vez terá de antecipar ao governo 10% do valor devido quando o montante for de até R$ 1 milhão e 20% quando superar esse patamar.
O prazo para pagamento do Refis da Crise já foi estendido. A Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, reabriu, até 31 de julho de 2014, o prazo para pagamento à vista e/ou parcelamentos com os benefícios instituídos pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. No entanto, esta prorrogação não diz respeito a um novo Refis e não abrange os pontos tratados na MP 638.
Os programas especiais de parcelamento das dívidas não são novidade. Uma das alternativas adotadas pelo governo federal no intuito de aumentar a arrecadação e sanar os déficits orçamentários, o Refis vai além das negociações ordinárias oferecidas pela Receita Federal, com parcelamento em até 60 vezes, e oferece prazos maiores e deduções específicas.
O primeiro Programa de Refinanciamento foi lançado em 2000 e, como todo modelo-piloto, tinha inconsistências. A Lei 9.964 não estabelecia um prazo final para o pagamento, o que faz com que até hoje haja dúvidas no que diz respeito à consolidação dos débitos das empresas. Segundo o advogado e sócio do Escritório Martinelli Advogados, Fabio Lozano Pinheiro, várias empresas que já pagaram a dívida estão tendo alguma dificuldade com a Receita Federal para obter a consolidação e certificação de que foi efetivamente pago.
Após, foi criado o chamado parcelamento especial (Paes), um programa que trazia restrições e parcelamento da dívida em até 180 vezes. Depois, em 2006, veio o Parcelamento Excepcional (Paex), no mesmo formato do anterior e instituído pela Medida Provisória 303/2006.
Em todos esses programas, havia a possibilidade de “reparcelar” os débitos anteriores. Assim, se o contribuinte fosse excluído, por exemplo, do primeiro Refis ou do Paes, poderia repassar os débitos ao Paex. Para isso, era preciso reconsolidar a dívida e entrar no novo programa com novos débitos, além, é claro, de ter de obedecer ao período de adesão.
Mais recente programa de refinanciamento, o Refis da Crise foi instituído pela Lei 11.941/2009. Com débitos a serem parcelados até outubro de 2013, a medida foi prorrogada um ano depois por meio da Lei 12.249, de 11 de junho de 2010, e, mais recentemente, através da Lei nº 12.973.
A grande discussão em torno da prorrogação do Refis da Crise, que baliza a defesa do Refis da Copa, é o período de abrangência dos débitos. A Medida Provisória 638/2014, que institui o novo programa, prevê a inclusão de dívidas contraídas até dezembro de 2013 e o repasse de todos os saldos remanescentes dos parcelamentos anteriores à legislação recente. Além disso, o Refis da Copa traz maior segurança à União a partir do momento em que prevê o pagamento inicial de 10% ou 20% da dívida em até cinco vezes e ao contribuinte quando estabelece redutores da dívida.
Empresas podem começar a se programar para adesão
O Programa de Refinanciamento das Dívidas Tributárias com a União é interessante principalmente a quem tem algum processo em discussão no âmbito administrativo. O advogado Fábio Pinheiro adverte que, quando se nota que a jurisprudência de um processo em tramitação no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não está favorável para a discussão, vale a pena desistir e colocar no parcelamento.
Segundo Pinheiro, os contadores e advogados devem se ater aos vários itens que compõem o processo administrativo e avaliar quando é vantajoso ingressar no Refis. “No julgamento administrativo, é possível fazer uma desistência parcial do processo, enquanto no judicial isso já fica mais difícil de fazer, porque já está em execução e o processo é único”, diz.
Conforme Pinheiro, clientes do Escritório Martinelli Advogados já estão analisando a adesão ao Refis da Copa e fazendo simulações do valor das parcelas e das deduções possíveis de serem aplicadas. O prazo está mais apertado do que nas edições anteriores. Aqueles que quiserem aderir deverão manifestar interesse, provavelmente através do portal e-CAC da Receita Federal, até 30 de agosto de 2014.
Confiante na sanção da presidente Dilma Rousseff, o advogado afirma que “o governo sempre diz que vai ser o último Refis, mas entra governo, sai governo, e são feitos programas de parcelamento”. A MP 638 já foi encaminhada para sanção da presidente. O prazo para sanção ou veto se esgota em 18 de junho. Se aprovada e convertida em lei, o contribuinte deverá aguardar a regulamentação da RFB e a disponibilização do sistema de adesão.
Alta parcela de entrada representa segurança para a União e entrave para o contribuinte
A cobrança de uma entrada com valor considerável é interpretada como uma solução plausível à flagrante inadimplência dos contribuintes logo após a emissão da Certidão Negativa de Débito (CND) – benefício gozado pelas organizações logo após a adesão ao Refis. No entanto, a decisão dificulta que pessoas jurídicas com contas no vermelho honrem totalmente a dívida.
A última estimativa da Receita Federal (de 17 de dezembro de 2013) apontava que o número de pessoas físicas e jurídicas passíveis de exclusão do Refis em voga – da Crise – chegava a 124 mil parcelamentos, um total de R$ 11,9 bilhões em parcelas atrasadas.
O governo federal acenou, na semana passada, com a disposição de reduzir pela metade esses percentuais, mas isso não foi incorporado no texto. A pressão de empresários fez com que a presidente Dilma Rousseff pedisse ao Ministério da Fazenda que analisasse a possibilidade.
O contador Mário Berti, presidente da Fenacon, sustenta que as empresas não honram o acordo com a União por causa dos altos valores devidos e não pela conquista da certidão negativa. “Até porque essa certidão negativa tem prazo de um mês. Qual a vantagem de ter o nome limpo por apenas 30 dias e entrar na lista de devedores de novo depois?”, questiona.
O advogado Fábio Pinheiro completa que, teoricamente, o refinanciamento é uma grande oportunidade para colocar em dia os débitos. Porém, o parcelamento extraordinário é, sim, utilizado por alguns para obter a certidão negativa e solucionar questões bem pontuais, como trâmites de importação, obtenção de financiamento via Bndes ou para resolver uma questão na Junta Comercial.
Para Berti, a alegação de inadimplência é comodista porque dá trabalho à Receita Federal fazer o Refis. “Mesmo que todas as empresas devedoras não consigam honrar o parcelamento, aquelas que pagam já geram arrecadação de recursos”, defende. “Eu insisto, a pessoa que entra no refis não é um sonegador, porque ele apresentou os documentos e está devendo já que não pode pagar. Se ele não quisesse pagar imposto, sonegava, mas não é o caso”.
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