Folha de S.Paulo
Com gasto engessado, infraestrutura recebeu o mesmo que nos anos FHC
Confirmada previsão de crescimento econômico de 7,5%, impostos serão 37% do PIB; espaço para cortar despesa é mínimo
FERNANDO CANZIAN
DE SÃO PAULO
Em breve o presidente Lula deixará o cargo após oito anos com o Estado se apropriando de cerca de 37% de tudo o que o Brasil tiver produzido em 2010. Será mais um recorde de "nunca antes na história deste país".
Se confirmada a expectativa de crescimento da economia de 7,5% neste ano, o PIB (Produto Interno Bruto) de 2010 chegará a R$ 3,42 trilhões. Com a arrecadação estimada em R$ 1,27 trilhão, ela equivalerá a 37,1% do PIB.
No período pós-democratização, o governo Lula terá sido o que mais aumentou o peso dos impostos sobre a sociedade: 4,5 pontos percentuais a mais em oito anos.
Nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, o aumento foi de quatro pontos (de 28,6% para 32,6%), segundo série estatística do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Mesmo tendo acelerado a arrecadação como proporção do PIB, Lula (na média de sete anos, até 2009) não ultrapassou FHC nos investimentos em infraestrutura.
Apesar dos PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) 1 e 2, ambos os governos investiram o mesmo: uma média de 0,7% do PIB.
Com o resultado de 2010, é provável que Lula supere a média de FHC, mas por pouco. Ela passaria a 0,76%.
CORTE DE GASTOS
Quase a totalidade do aumento da carga tributária sob Lula foi destinada a gastos correntes, que se tornaram obrigatórios e permanentes.
Por conta desse "engessamento" do gasto, no momento em que se discute a necessidade de cortes (e a presidente eleita, Dilma Rousseff, prometeu fazê-lo) é pequena a margem para contenção.
Apesar da arrecadação em alta, só 8% do gasto não financeiro (excluindo os juros da dívida pública) são passíveis de cortes caso o governo opte por não reduzir ainda mais os investimentos.
Segundo especialistas, o aumento do gasto e sua contrapartida (o baixo nível de poupança do Estado) vêm produzindo ao menos três grandes desequilíbrios:
1) Uma trajetória mais lenta na queda da dívida pública, pois, mesmo tendo mais receita, o governo diminuiu a poupança para pagar juros;
2) A possibilidade crescente de o Banco Central ter de elevar os juros (e a dívida pública) para conter a atividade econômica e a inflação;
3) A rápida deterioração das contas externas, já que o país importa mais para atender ao consumo em alta.
O pano de fundo de tudo é um modelo de crescimento baseado em crédito e consumo (públicos e privados). Não em mais investimentos.
"O Brasil insiste em um padrão, o mesmo que ajudou a eleger Dilma, que vai chegando ao seu limite", afirma o especialista em contas públicas Raul Velloso.
Pelos seus cálculos, cerca de 51 milhões de brasileiros/ eleitores (1 milhão deles servidores federais) absorvem hoje 70% do gasto não financeiro da União via salários, aposentadorias e outros benefícios sociais.
Há quatro anos, eram 40 milhões. Daí a margem cada vez menor para diminuir as despesas (veja quadro).
CONTA DE JUROS
Para o economista Amir Khair, Dilma poderá ter receitas maiores para investimentos caso consiga diminuir as despesas com juros.
Khair elogia a ação do Banco Central de restringir a oferta de crédito ao consumo pela via do recolhimento de parte dos depósitos à vista dos bancos (o chamado depósito compulsório no BC).
Isso tende a esfriar a economia, evitando juros e dívida pública maiores.
Patrocinadora do Impostômetro, painel que mede a arrecadação tributária, a ACSP (Associação Comercial de São Paulo) considera difícil a meta de conter rapidamente os gastos em 2011.
"Gasto quase sempre tem nome e endereço. E ele foi ficando cada vez mais engessado", diz Marcel Solimeo, economista da ACSP.
Na semana passada, Lula e o presidente do Senado, José Sarney, criticaram o fim da CPMF (o imposto do cheque) e a correspondente perda de R$ 150 bilhões desde 2008.
"Não ficaria surpreso se o governo voltar a insistir no retorno da CPMF e conseguir aprová-la", diz José Elói Olenike, presidente do IBPT.
Dilma rejeita ajuste "severo", mas quer gastos sob controle
Presidente eleita quer aprovar leis que impeçam que os gastos com a máquina cresçam acima da variação do PIB
As projeções indicam um bloqueio de gastos do Orçamento acima de R$ 20 bilhões, mas falta definir o salário mínimo
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
Apesar de começar seu governo com inflação em alta, a presidente eleita, Dilma Rousseff, avalia não ser necessário adotar um ajuste fiscal "severo", mas implementar uma política de "moderação" nos gastos públicos.
Dilma orientou sua equipe a montar um plano de cortes de gastos de custeio e pessoal e aumento dos investimentos, tendo como meta fechar 2011 com um esforço fiscal equivalente a 3% do PIB.
Na avaliação de Dilma, seu governo não precisa recorrer a um ajuste radical como o adotado no início do governo Lula, quando o superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) subiu para 4,25% do PIB.
Segundo sua equipe, uma economia de 3% é mais do que suficiente para garantir a redução do tamanho da dívida pública dos atuais 41% para 30% do PIB ao final de seu mandato, em 2014.
Essa será a principal meta na área fiscal: a redução do endividamento público, por meio da qual espera abrir espaço para que o Banco Central reduza os juros. Seu objetivo é terminar o governo com juros reais na casa de 2% -hoje estão na faixa de 5%.
A equipe de Dilma ainda não se reuniu para debater o tema -recebeu só as linhas gerais da política econômica.
ATRASO
Dilma gostaria de começar a tratar do tema antes de tomar posse, mas a montagem de seu ministério ocupou sua agenda mais tempo do que imaginava. Seus assessores lembram ainda que é necessário aguardar a aprovação do Orçamento de 2011 para definir o tamanho dos cortes.
As projeções iniciais falam num bloqueio de gastos acima de R$ 20 bilhões, mas ainda há indefinições no campo das despesas. Por exemplo, de quanto será o novo valor do salário mínimo em 2011.
Diante da resistência das centrais sindicais, o presidente Lula e sua sucessora já definiram que deverá ser editada uma medida provisória elevando o salário mínimo dos atuais R$ 510 para R$ 540 a partir de janeiro.
Depois, durante a votação da MP no Congresso, caso os sindicalistas aceitem descontar um aumento real do reajuste a ser dado em 2012, Dilma poderia fechar acordo elevando o mínimo a R$ 550.
A equipe de Dilma, contudo, não deseja basear a política fiscal apenas em cortes do Orçamento. A presidente eleita avalia enviar ao Congresso projetos que controlem a "velocidade de crescimento" dos gastos públicos.
A tendência é criar regras que impeçam que os gastos com a máquina cresçam acima da variação do PIB. Dilma quer inverter a curva dessas despesas -de 3,2% do PIB no início do governo Lula para perto de 3,6% neste ano.
No caso dos gastos com pessoal, a meta é estabelecer um percentual de aumento real em relação ao PIB. Esses gastos representavam 4,5% em 2003 e devem encerrar 2010 em 4,7% do PIB.
No campo dos investimentos, Dilma quer aumentar esse tipo de despesa. Em 2003, o investimento da União ficou em 0,3% do PIB. Encerrará 2010 perto de 1,2%.
Fonte: Matéria divulgada no site da Fenacon
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