A doação de quotas de sociedades esconde uma riqueza de alternativas que facilitam a administração e a sucessão nos negócios familiares
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As estratégias e princípios
adotados por grandes empresas na administração e planejamento de seus
negócios e patrimônios têm nos últimos anos invadido a seara das
empresas de médio porte e do agronegócio. Há muitas razões para isso, as
principais, a nosso ver, advém 1) da percepção por parte das famílias
de que o judiciário não é mais capaz de oferecer uma resposta
minimamente célere e/ou racional para os inventários em tramitação; e 2)
o fato de que a lei civil que rege o direito de família e sucessões é,
para dizer o mínimo, caótica, minando uma série de incertezas e
inseguranças àquele que pretende planejar seu futuro e destinar seu
patrimônio.
Temos visto com triste frequência, por
exemplo, famílias que amargam prejuízos na administração de seus
negócios pela falta de alvarás judiciais, no curso do inventário, para a
venda ou administração de bens. Imagine-se a situação de uma
propriedade rural dedicada a pecuária que precisa de um alvará para cada
transação com animais da propriedade. Não é nada fácil explicar a um
juiz os conceitos de desfrute ou como funcionam os regimes de engorda
dos animais. O exemplo da pecuária é aleatório, em realidade cada
atividade comporta peculiaridades em sua gestão que na maioria das vezes
são de difícil compreensão por um magistrado, e absolutamente
incompatíveis com o ritmo burocrático, formal e compassado do Poder
Judiciário.
A fórmula para proteger a família e o patrimônio dessa
ingerência do Poder Judiciário, e dos próprios riscos decorrentes das
brigas familiares por patrimônio e poder, tem sido a combinação do
direito societário com o direito das sucessões, através da criação de
estruturas de controle patrimonial e societário – as chamadas sociedades
holding – que combinadas com acordos societários bem redigidos e outros
instrumentos jurídicos feitos sob medida para a família, garantem
segurança, previsibilidade e perenidade ao patrimônio e aos negócios.
Dentre estes instrumentos jurídicos destacamos neste artigo o papel dos
instrumentos de doação de quotas, especificamente para as sociedades
limitadas.
A nosso sentir, não há nada mais perigoso em termos de
planejamento sucessório do que a doação, pura e simples, de quotas dos
pais para os filhos. Com efeito, o instrumento de doação das quotas deve
contemplar, entre outras precauções, a adequada dosagem de garantia de
poder e subsistência dos sucedidos. Deve-se considerar sobretudo que
poder e dinheiro são ingredientes férteis para corrupção e abusos, de
sorte que não devem ser concedidos sem a adequada cautela.
Nesse
sentido, uma das medidas comumente adotadas em contratos de doação de
quotas inseridas no âmbito de planejamentos sucessórios é a estipulação
da reserva do usufruto das quotas em favor do doador. O usufruto
assegura, de regra, ao doador o direito a votar, ser votado e a
participar dos lucros da sociedade, ou seja, reserva-lhe os direitos
patrimoniais e políticos decorrentes da condição de sócio. Com a morte
do usufrutuário a propriedade consolida-se na pessoa do donatário
(nu-proprietário).
Deve-se ressaltar que o usufruto, por outro
lado, permite ao nu-proprietário que recebe as quotas com este gravame, a
faculdade de alienar, observadas as regras societárias, as quotas das
quais é nu-proprietário, por isso é comum que no contrato de doação das
quotas seja instituída a cláusula de inalienabilidade por meio da qual o
nu-proprietário somente poderá alienar as quotas após a morte do
doador/usufrutuário.
Os instrumentos relacionados à doação de
quotas com reserva de usufruto, no âmbito do direito empresarial, podem
oferecer à família um leque de alternativas lícitas para regrar e
acomodar os interesses das partes que encontra limites quase que somente
na criatividade dos envolvidos. As cláusulas de condição, termo e
encargo inseridas em contratos de doações de quotas são também
extremamente úteis para acomodar interesses familiares e empresariais.
Através
das cláusulas de condição é possível subordinar determinados efeitos da
doação a eventos futuros e incertos livremente escolhidos pelas partes,
como por exemplo, colação de grau, conclusão de um curso, casamento,
etc. A cláusula de termo condiciona ou suspende a doação a determinados
marcos temporais, e, por fim, o encargo o subordina a realização de
determinada “tarefa” com a qual se obriga o donatário. Todas essas
cláusulas (condição, termo e encargo) podem ter efeitos suspensivos – o
negócio não produzirá efeitos até que implementada a avença – ou
resolutivos – o negócio será desfeito se implementada a avença.
As
cláusulas de opções de compra de quotas sociais também costumam ser de
grande valia no contexto do planejamento sucessório, podendo ser
implementadas tanto na vertical – de pai para filhos e vice-versa –
quanto na horizontal – entre irmãos ou primos, inclusive no contexto de
contratos de doação. Uma opção de compra confere ao seu titular o
direito de comprar um determinado ativo pelo preço estabelecido no
contrato da opção, durante determinado período de tempo ou em uma data
pré-determinada.
Não raras vezes contratos de doação de quotas
envolvem cláusulas de usufruto, inalienabilidade, condições e opções de
compras, ajustando e acomodando adequadamente os múltiplos interesses
familiares e empresariais para muito além da parca e confusa disciplina
do Código Civil. Essa flexibilidade é vital para o contexto empresarial
pois permite separar o que a lei civil une: sucessão patrimonial e
sucessão empresarial. Com efeito, é importante sempre não confundir as
duas coisas, pois patrimônio e gestão não se confundem e a figura do
herdeiro nem sempre coincide com a figura do sucessor no comando dos
negócios.
Todos, querendo ou não, já tem sua sucessão planejada:
ela está descrita no código civil. A grande questão que se impõe, em
especial às empresas e aos negócios familiares, é saber se tal
disciplina é a mais adequada e menos hostil à perenidade e ao
crescimento dos negócios e das próprias relações familiares. A
experiência tem mostrado que não.
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