Diário do Nordeste / CE
CRISTIANE BONFIM
Entre prioridades, estão simplificação e redução da carga tributária, sobretudo para pessoa física e microempresas
No supermercado, até mesmo quem escolhe apenas produtos alimentícios menos supérfluos, deixa no caixa no mínimo 15% destinados a impostos. Itens que fazem parte da cesta básica, como arroz, carne e feijão, são onerados pelos tributos entre 15,34% e 17,47%. Isso atinge igualmente tanto quem ganha um salário mínimo quanto quem está em faixas de renda mais altas.
O cenário de fiscalização cada vez mais rigoroso e de arrecadação maior é criticado por analistas da área tributária. Contribuintes pessoas físicas e jurídicas reivindicam mudanças, mas será que o começo de um novo governo no âmbito federal trará outros ares para uma reforma efetiva no setor?
De acordo com dados do Impostômetro da Associação do Comércio de São Paulo (ACSP), a soma dos tributos federais, estaduais e municipais pagos neste ano no Brasil ultrapassou os R$ 959 bilhões no dia 15 de outubro. Somente no Ceará, foram pagos cerca de R$ 4,67 bilhões em tributos no mesmo período. No fim de setembro o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou que, ainda em 2010, é possível retomar discussões sobre a reforma tributária e sobre mecanismos para acabar com a guerra fiscal entre os Estados.
Volume
A maioria dos tributaristas e contadores entrevistados considera que a prestação de serviços aos contribuintes não corresponde ao volume de impostos pago no Brasil. O que se aponta é a necessidade de mudanças a serem adotadas no setor tributário para o próximo a ocupar a Presidência da República. Entre as prioridades citadas por contadores e tributaristas, estão a simplificação do setor e a redução da carga tributária, principalmente para as pessoas físicas de menor renda e para os pequenos negócios. Apesar das promessas abundantes da campanha presidencial, a maioria dos analistas considera pouco provável que uma reforma tributária seja feita a curto prazo, ainda no início do próximo governo.
O diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), advogado tributarista e professor universitário, Schubert Machado, considera que desde a Constituição Federal de 1988 nunca houve de fato uma reforma nessa área. Para ele, propostas que estão em discussão hoje no Congresso Nacional não simplificam a legislação, tampouco diminuem a carga tributária.
"Nós vivemos praticamente numa ditadura fiscal, quando o Fisco não se preocupa em cumprir a lei e só quer arrecadar, mostrando uma voracidade cada vez maior", avalia Machado. Para ele, mais preocupante do que não haver reforma é haver mudanças que acabem gerando "insegurança jurídica".
Novas normas
Dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) informam que foram editadas 249.124 normas tributárias desde a promulgação da Constituição de 1988. Isso significa que foram criadas 943 normas tributárias por mês ou mais de 30 por dia nos últimos 22 anos. No mesmo período, houve 13 reformas constitucionais relacionadas a tributos, segundo o IBPT. "As pessoas físicas e jurídicas precisam de simplificação das normas. Todo dia são editadas novas normas que geram ônus e obrigações", critica a advogada especialista em Direito Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e vice-presidente do IBPT, Letícia do Amaral.
Ela critica o fato de a arrecadação e a fiscalização virem aumentando ano a ano e isso não resultar em reflexos positivos para o contribuinte. "O governo é altamente eficaz em fiscalizar. Se a corrupção e a sonegação são reduzidas, numa outra ponta, deveria ser reduzida também a carga tributária", diz Amaral.
Empresa cearense poderia ser maior
Já se vão 30 anos desde que Juvenal Duarte Neto passou a fabricar e vender roupas íntimas e para dormir. Segundo o empresário, a carga tributária corresponde a 30% do faturamento da empresa, que gera 90 empregos diretos e tem oito lojas no Ceará.
"Isso onera muito nossos custos. Poderíamos ser bem maiores", avalia o empresário. Apesar de as lojas dele serem optantes do Simples, regime de tributação simplificado e unificado para microempresas e empresas de pequeno porte, Duarte Neto considera que a carga tributária é muito alta.
Apenas empresas com receita bruta anual de até R$2,4 milhões podem ser enquadradas no Simples Nacional. Esse limite está em vigor desde 2006.
Para o empresário, esse valor deveria ser atualizado a cada ano. "O limite para ser optante do Simples deveria ser pelo menos R$ 3,6 milhões (de faturamento ao ano)", critica.
De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiep), no Mercosul, empresas com faturamento de cerca de R$ 6 milhões ao ano são enquadradas como micro e pequenas empresas.
Optantes
O Ceará tem um total de 144.512 optantes do Simples Nacional, dos quais 13.471 (9,12%) são microempreendedores individuais. No Brasil, há 4,11 milhões no Simples. Destes, 497,95 mil (12,10% do total) são microempreendedores individuais. Os dados são do site do Simples Nacional.
Duarte Neto considera que o Fisco tem sido muito eficiente em relação à cobrança de impostos, mas reclama da falta de ações para reduzir a informalidade em diversos segmentos.
"Se diminuísse a carga tributária, aumentaria a base (de arrecadação). Se todo mundo pagasse impostos, o governo arrecadaria muito mais", diz o empresário.
De janeiro até agosto de 2010, segundo o site do Simples, foram arrecadados no Brasil R$ 22,15 bilhões dos optantes por essa tributação. Desse total, 75% são destinados à União, 17,6% aos estados e 7,2% aos municípios.
"Pagar imposto é um dever de todo empresário, mas a gente fica triste ao não ver contrapartida. Não vemos benefícios em segurança pública, educação e saúde", critica o empresário cearense. (CB)
Imposto é maior preocupação do empresariado
A reforma tributária é um dos temores dos empresários e o assunto impostos/carga tributária também é o que mais os preocupa para 2011. Os dados são da pesquisa da Câmara Americana de Comércio (Amcham) e do Ibope Inteligência feita com cerca de 500 empresas associadas à entidade no fim de setembro de 2010.
Vinte e dois por cento dos entrevistados disseram temer algum projeto de lei em trâmite. Dentre estes, 25% dizem que a reforma tributária gera preocupação em relação ao seu negócio. As reformas geral e trabalhista vêm em seguida, com 22% e 21%, respectivamente.
Além disso, 54% dos empresários disseram estar preocupados com impostos/carga tributária. Dentre estes, a maioria (63%) é de pequenas empresas. Os tributos inquietam os empresários mais do que o cenário político com o novo governo (52%) e do que a desaceleração da economia nacional (41%).
PEC
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233, que tramita no Congresso desde 2008, traz várias propostas de mudança na legislação. O texto cria o imposto sobre o valor adicionado federal (IVA-F), que unifica as contribuições sociais (Cofins, Pis e Cide), extingue e incorpora a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ao imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ) e institui um novo ICMS. O novo ICMS passaria a ter uma legislação única, com alíquotas uniformes, e seria cobrado no estado de destino do produto.
Impacto
Ainda de acordo com a pesquisa da Amcham, 48% dos empresários disseram que as perspectivas de um novo governo afetam negativamente as esferas fiscal/tributária.
Outros 24% disseram que essas esferas são influenciadas positivamente por um novo governo e 28% declararam que uma nova gestão não interferirá nas áreas fiscal/tributária.
A pesquisa mostra também que a maioria das empresas espera mais crescimento em 2010 (81%) do que em 2011 (64%). O otimismo sobre a inflação também se concentra mais em 2010: 75% acreditam que a inflação em 2010 terminará estável ou em queda. Sobre 2011, 67% fazem mesma previsão.
A Amcham, que encomendou a pesquisa, é uma organização não-governamental que reúne cerca de 5.400 sócios entre pequenas, médias e grandes empresas em 13 cidades. As associadas, entre as quais 80% são brasileiras, empregam aproximadamente 1,6 milhão de trabalhadores. (CB)
Receita cresce mais no Ceará
Crescimento das empresas contribuiu para aumento da arrecadação da Cofins
A média da arrecadação mensal das receitas federais no Brasil e no Ceará subiu, respectivamente, 10,52% e 20,58% em 2010. Segundo dados disponibilizados pelo site da Receita Federal, o total arrecadado com essas fontes em 2009 no País foi R$ 497,38 bilhões. Isso representa média de R$ 41,44 bilhões recolhidos por mês. Nos oito primeiros meses deste ano, a média de arrecadação mensal passou a R$ 45,81 bilhões. O crescimento foi ainda maior no Ceará. A média saltou de R$ 403,81 milhões a cada mês em 2009 para R$ 486,94 milhões nos oito primeiros meses deste ano. Isso representa crescimento de 20,58% na média de cada mês.
Entre os tributos analisados pelo Diário do Nordeste, a maior variação em agosto de 2010 comparada a agosto de 2009 foi registrada para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em nível nacional, o crescimento do IPI foi de 43,53%. No Ceará, foram recolhidos em agosto passado 63,05% a mais de IPI que em agosto de 2009.
A chefe do serviço do acompanhamento dos maiores contribuintes da Superintendência Regional da Receita Federal - 3ª Região Fiscal (CE, PI e MA), Ana Cristina Vieira, justifica que o crescimento na arrecadação foi provocado principalmente pelo aquecimento da economia em 2010. "Houve a recuperação dos principais indicadores macroeconômicos, o que influencia na arrecadação. O PIB e o emprego aumentaram e foi registrado crescimento significativo nas vendas do comércio varejista", explica Ana Cristina Vieira. Ela também ressalta que os resultados alcançados têm a ver com incremento na fiscalização principalmente no acompanhamento de grandes contribuintes.
Dados sobre o crescimento na quantidade de autuações e sobre o valor arrecadado com multas pela Receita Federal no Ceará também foram solicitados, mas ainda não estavam disponíveis até o fechamento desta reportagem.
No Ceará, o crescimento das contribuições (Cofins, Pis/ Pasep e CSLL) variou de 13,12% a 28,63% em agosto deste ano comparado ao mesmo mês de 2009. No Brasil, as variações ficaram entre 15,97% e 28,3%. Em ambos os casos, a Cofins registrou as maiores variações.
"O crescimento da Cofins (28,63% no Ceará e 17,05% no Brasil)é muito baseado no crescimento das empresas", diz Ana Cristina Vieira. A Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é cobrada pela União sobre o faturamento bruto de pessoas jurídicas. A alíquota dessa contribuição era de 2% até 1999, quando foi aumentada para 3%.
IRPF
O Imposto de Renda Pessoa Física teve variação de 31,18% em agosto deste ano frente a agosto de 2009. No Brasil, a variação foi de 4,22% no mesmo período. Só pagam IRPF os contribuintes com rendimento acima de R$ 1.499,00. Uma das possibilidades para o percentual maior de crescimento no Ceará é o fato de a proporção de pessoas que ultrapassou o patamar de isenção ser maior no Estado do que no País.
"A pessoa física é altamente tributada. As pessoas de renda menor são ainda mais. O sistema não é isonômico nos tributos sobre consumo", critica a vice presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Letícia do Amaral.
De acordo com o site do Impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, cada brasileiro pagou de 1º de janeiro a 15 de outubro R$ 4.994,78 em impostos, o equivalente a 9,79 salários mínimos. (CB)
´PEC 233 não simplifica o sistema´
"IPVA, IPTU, CPMF forever/É tanto imposto/Que eu já nem sei!.../ISS, ICMS/ PIS e COFINS, pra nada". O trecho da música do compositor alagoano Djavan dá eco ao desabafo de muitos brasileiros que não suportam pagar tantos tributos.
O que esperar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233 de autoria do Poder Executivo que tramita no Congresso Nacional desde fevereiro de 2008? É possível cortar impostos sem reduzir ações em busca da justiça social? Que mudanças na legislação tributária brasileira poderiam de fato beneficiar o contribuinte?
A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), que representa trabalhadores de tributação, arrecadação e fiscalização estadual, faz críticas à proposta que tramita há mais de 30 meses na Câmara dos Deputados.
"A reforma tributária deveria corrigir os erros do atual sistema tributário, racionalizando-o, simplificando-o e tornando-o mais justo e social, o que não se percebe na proposta aprovada na comissão especial", diz um trecho de parecer técnico da Federação sobre o tema.
A entidade considera que a PEC não simplifica nem racionaliza o sistema tributário tampouco atingiria outros objetivos a que se propõe.
Governo
Segundo a proposta do Governo Federal, a PEC quer "simplificar o sistema tributário nacional, avançar no processo de desoneração tributária", além de "eliminar distorções que prejudicam o crescimento da economia brasileira e a competitividade das empresas, principalmente no que diz respeito à chamada ´guerra fiscal´".
ICMS é o cerne
Harmonizar a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, vem sendo o cerne das propostas de reforma tributária enviadas ao Congresso desde a Constituição Federal de 1988.
Na PEC 233, é apresentado um novo ICMS, que seria regido por lei nacional e não mais por 27 leis dos estados e do Distrito Federal. Para a Fenafisco, entretanto, essa proposta tem eficácia duvidosa e pode gerar insegurança jurídica.
"Em verdade, há um fortalecimento da centralização das política e receitas tributárias, assim como um incremento no emaranhado tributário hoje existente, em função das múltiplas concessões que foram feitas para que a proposta fosse aprovada", diz o parecer da entidade. Outra proposta é a criação Imposto Sobre o Valor Adicionado Federal (IVA-F), cuja maior receita provem da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Já a Fenafisco considera que o IVA-F poderá propiciar aumento da carga por utilizar base de tributação que supera o somatório das bases do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços (ISS). (CB)
RECOLHENDO NOTA FISCAL
Estudante já recebeu R$ 3 mil
De nota fiscal em nota fiscal, a estudante Janete Saraiva vem dando um jeito de receber de volta parte do valor dos impostos que paga diariamente ao consumir qualquer produto. Desde abril de 2006 até dezembro de 2009, ela já conseguiu receber cerca de R$ 3 mil com a participação na campanha Sua Nota vale Dinheiro. Ao longo deste ano, ela já enviou notas fiscais à Secretaria da Fazenda duas vezes, mas ainda está aguardando o recebimento de novos lotes.
Enquanto isso, continua juntando outras notas fiscais para conseguir ser parcialmente ressarcida dos tributos. "A cada R$ 6 mil em notas, ganho R$ 30. Vale nota de quase tudo (desde que seja superior a R$ 5)", ensina a estudante. A campanha criada pela lei nº 13.568, de 30 de dezembro de 2004, passou a valer a partir de 2005. Desde então, Janete começou a juntar documentos fiscais. Pede notas à família e aos amigos e costuma procurá-las em supermercados e outros pontos de venda.
Além disso, estimula outras pessoas a fazerem o mesmo. Em abril de 2006, criou uma comunidade no Orkut para orientar e trocar dicas com outros participantes da campanha. A comunidade "Sua Nota Vale Dinheiro" tem 226 integrantes.
Segundo a Sefaz, a campanha pretende, entre outros objetivos, motivar a emissão de documentos fiscais, conscientizar a população sobre a função social do tributo e combater a sonegação. Apesar de algumas críticas a serviços públicos, Janete elogia certas iniciativas governamentais, como equipamentos culturais, Biblioteca Menezes Pimentel e o Centro Cultural Dragão do Mar, e de saúde, Hospital Albert Sabin, dos quais ela ou familiares já fizeram uso. "Vejo melhorias, mas não tem como saber exatamente como são aplicados os impostos", diz. (CB)
Fonte: Matéria divulgada no site da Fenacon
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