Em 2009, o sigilo bancário ao redor do mundo levou seu mais duro
golpe com a entrega, pelo banco suíço UBS, dos nomes de 4.450
correntistas americanos investigados pelo Fisco dos Estados Unidos por
suspeita de evasão fiscal e sonegação de impostos. Hoje, o episódio,
decorrente de uma enorme pressão do governo americano sobre a Suíça,
parece até irrelevante, considerando o que está por vir.
No ano que vem, entra em vigor a Foreign Account Tax Compliance Act –
conhecida pela sigla Fatca. Por meio da nova legislação, o Internal
Revenue Service (IRS) – a Receita Federal americana – pretende descobrir
quem são os contribuintes americanos que enviam dinheiro para fora do
país para não pagar impostos.
Pelas regras do Fatca, instituições financeiras estrangeiras de todo o
mundo serão “convidadas” a aderir à lei e, com isso, a informar ao
Fisco americano, a partir de 2013, os nomes de todos os seus clientes
que sejam contribuintes nos Estados Unidos, além dos valores que mantêm
em suas contas e investimentos.
A legislação não inclui apenas bancos, mas quaisquer instituições que
aceitem depósitos, mantenham ativos financeiros por conta de outros
agentes – como custodiantes e câmaras de compensação – ou tenham como
atividade principal investimentos ou negociação de valores, bens de
consumo ou participações.
Embora o Fatca não possa obrigar essas instituições a quebrarem o
sigilo bancário de seus clientes americanos, a lei tem argumentos de
sobra para convencer o sistema financeiro mundial a aderir em peso às
suas regras. Isso porque o banco que não aderir será considerado não
cooperante e, assim, poderá ter 30% dos rendimentos obtidos em
transações realizadas nos EUA retidos na fonte. Na prática, diante do
tamanho da economia americana, quem não aderir ficará fora do mercado.
“Considerando-se um investimento nos EUA com custo de 3% e ganho de
4%, se o banco investidor não tiver aderido ao Fatca, terá retenção de
30% do valor de seus ganhos, o que o levará a ter prejuízo na
aplicação”, explica Álvaro Taiar, sócio e líder de serviços financeiros
da PwC Brasil, que assessora bancos no processo de adequação à
legislação.
Além da esperada adesão das instituições financeiras estrangeiras,
que não querem correr o risco de ser taxadas nas transações feitas nos
EUA, há um movimento em curso que pode ferir de morte o sigilo bancário.
O Departamento do Tesouro americano está estimulando os países a
assinarem acordos bilaterais para o intercâmbio de informações
tributárias exigidas no Fatca. Em troca, oferece reciprocidade. Ou seja,
por meio desses acordos, o Fisco dos EUA tanto recebe as informações
relativas aos cidadãos americanos quanto envia ao país signatário
informações bancárias de seus cidadãos.
Até agora, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Espanha já
assinaram acordos bilaterais com os EUA – o que significa que o sigilo
bancário dos contribuintes desses países nos EUA também está perto do
fim. Luxemburgo – até há pouco considerado um paraíso fiscal – e Irlanda
já deram passos no mesmo sentido e o Tesouro americano se esforça para
expandir os acordos – inclusive com o Brasil (veja reportagem nesta
página).
Com os acordos, as instituições financeiras de cada país signatário
informarão os dados dos clientes americanos ao Fisco, que fica
responsável pelo envio das informações – sem que haja o risco de
retenção de 30% dos ganhos dessas instituições.
Os EUA estimam que haja cerca de US$ 350 bilhões não declarados ao
Fisco e enviados para fora do país por seus contribuintes. A estimativa
surgiu durante a crise financeira de 2008, que trouxe à tona uma série
de fraudes corporativas, inclusive fiscais. O combate à evasão de
divisas, no entanto, será apenas uma das consequências da lei. Seus
efeitos podem ir muito além do incremento na arrecadação tributária dos
EUA e dos países que assinarem acordos bilaterais.
Na prática, uma adesão em massa de governos e de instituições
financeiras pode decretar o fim do sigilo bancário no sistema financeiro
mundial – e contribuir para o combate a crimes de corrupção,
terrorismo, narcotráfico e contrabando, entre outros tantos, e à lavagem
do dinheiro obtido de forma ilícita.
“O que se busca com a lei é dar mais transparência aos fluxos
internacionais de dinheiro, hoje muito contaminados pela lavagem de
dinheiro provenientes de crimes”, diz o CEO da Câmara Americana de
Comércio (Amcham) no Brasil, Gabriel Rico.
A pá de cal no sigilo bancário tem data marcada: o ano de 2017. É
quando o Fatca, cuja vigência começa em 2013 e se estende nos anos
seguintes em diversas etapas, chega ao ápice ao enfrentar um dos maiores
entraves do combate à lavagem de dinheiro: a identificação do
beneficiário final das operações financeiras mais complexas – como no
caso dos investimentos realizados por meio de fundos.
O golpe do Fatca é duro. Em sua última etapa, a lei americana
estabelece que instituições financeiras estrangeiras deverão saber e
informar nome e endereço de todo e qualquer cidadão americano que tenha
feito algum investimento de forma indireta.
Não é uma tarefa fácil. Hoje os fundos de investimento têm entre seus
investidores outros fundos, cujos investidores são também fundos,
formando uma cadeia interminável de operações sobre as quais não se sabe
quem, afinal, é dono do dinheiro e qual é a origem dos valores
aplicados. “No mundo, não se quer mais que alguém tenha uma aplicação
que ninguém saiba qual é”, diz José Barbosa Teixeira, diretor da PwC e
especialista em serviços financeiros, para quem a transparência fiscal é
uma tendência global.
A complexidade da identificação dos beneficiários finais de operações
desse tipo é tamanha que, além de deixá-la para 2017, o Fatca deu a ela
um nome: “passthru payments”. Pelo conceito disposto na lei, as
instituições estrangeiras terão que saber quem são os investidores
americanos que estão por trás de investimentos realizados por fundos no
Brasil – mesmo que para isso tenham que quebrar o sigilo de uma cadeia
inteira de operações de investimento indireto.
O Fatca, promulgado em 2010, está em fase final de regulamentação nos
Estados Unidos. A última versão de seu texto foi publicada em fevereiro
deste ano e abarcou algumas das diversas sugestões enviadas por
governos, associações de classe e entidades representativas do setor
financeiro.
A lei tem sido alvo de inúmeras críticas – a principal delas é a de
que o envio de informações bancárias de correntistas americanos ao Fisco
americano fere leis internas de países que protegem o sigilo bancário,
como no caso do Brasil.
Em um documento enviado ao IRS em dezembro do ano passado, a
Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) sugeriu alterações pontuais
na lei e argumentou que ela tem entraves difíceis de serem superados,
por envolverem questões constitucionais (veja reportagem nesta página).
A entidade também argumentou que o risco de evasão fiscal por meio do
Brasil é baixo, já que a carga tributária nacional é mais alta do que a
dos Estados Unidos, e que a lei fará com que as instituições
financeiras do país tenham que suportar o custo do fisco americano em
combater a evasão fiscal.
Valor
Matéria divulgada no site Jornal Contábil
Nenhum comentário:
Postar um comentário