Há mais de dois séculos que uma das mais
importantes e reconhecidas profissões do mundo acompanha a história e o
crescimento do Rio Grande do Sul
Gilvânia Banker - FREDY VIEIRA/JC
Mesmo antes da vinda da coroa
portuguesa ao Brasil, em 1808, a contabilidade no Rio Grande do Sul já
havia delimitado seu espaço e buscou avançar como ciência. “Tudo começou
pelos órgãos públicos, mas seu grande salto foi graças à área
comercial”, conta o professor da Universidade Federal do Rio Grande
(Furg) e contador Marco Aurélio Gomes Barbosa, que realizou estudos
inéditos sobre o tema no Estado. Ele conta que, em 1753, em Porto
Alegre, foi criada a Provedoria Real, motivada pela necessidade de se
ter controle sobre o comércio local. Na instituição, os serviços
fazendários funcionavam bem no centro da Capital. Mas foi só por volta
de 1800, no coração da cidade, que se instalou a Alfândega para os
trabalhos de fiscalização da Receita, onde hoje é a Praça da Alfândega. O
órgão era em grande parte formado por contadores.
Em 1804, José
da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, publicou a obra Princípios de
Economia Política que, segundo o professor, influenciou os primórdios do
ensino comercial brasileiro. Mas foi com a chegada da família real
portuguesa, com o então rei de Portugal Dom João VI, que se identificou
um dos primeiros avanços da contabilidade no País, mediante a publicação
de um alvará que determinava o uso do sistema contábil por partidas
dobradas (débito e crédito) na escrituração mercantil pelos contadores
da Fazenda. Conforme Barbosa, a família real percebeu que não havia
controle contábil e financeiro no Brasil e criou regras para normatizar
os serviços. Em 1809, saiu a primeira legislação para as repartições
públicas utilizarem esse conceito que acabou sendo uma exigência na
qualificação dos profissionais. “Tenho registros de anúncio de emprego
em jornais da época buscando guarda-livros”, acrescenta.
Consta na
história, que o rei editou medidas para a criação de cursos sobre o
comércio na Corte do Rio de Janeiro e na Academia Militar. Influenciado
pelos movimentos cariocas, o Estado, a partir de 1900, começou a se
preocupar com a formação do profissional e, mediante isso, as empresas
passaram a exigir trabalhadores com maior conhecimento. “Era o embrião
da profissão”, observa. Mas, antes disso, em 1894, de acordo com os
estudos, a escola Emulação já oferecia, entre as disciplinas
secundaristas, a disciplina de comércio.
Barbosa conta que o
surgimento das entidades representativas da classe ajudaram a alavancar a
ciência que estuda e controla o patrimônio. Eram elas: Club de
Guarda-Livros, Club Caixeiral Porto-Alegrense e a Associação dos
Empregados no Comércio de Porto Alegre.
Evolução do ensino aumenta o interesse pela profissão
Foi
na década de 1870 que surgiram as primeiras escolas do ensino
comercial, mas ainda na área técnica do secundário, de acordo com as
pesquisas do professor Marco Aurélio Gomes Barbosa. A partir do
crescimento comercial e da organização dos profissionais contábeis no
final do século XIX, o curso para formação de contadores surge como nova
opção.
A fundação da Escola Mauá, em 1901, fez com que os estudos
da área tomassem força, motivando o surgimento de novas instituições,
dentre elas a Escola Livre de Comércio de Porto Alegre, a atual
Faculdade de Ciências Econômicas da Ufrgs, que inicia a formação do
Ensino Superior. “O volume de publicações e trabalhos produzidos no
Estado, principalmente até 1960, nos coloca como um dos principais
estados formadores da Ciência Contábil brasileira”, revela.
Nesse
período, passa-se a ser exigido o uso do Diário e do Razão entre outros
livros e documentos para o controle financeiro e patrimonial. “Quando
estudamos na faculdade, nos é passado que a contabilidade nasceu no eixo
Rio-São Paulo, mas há muito que ela saiu daqui, e foi para lá, e
ninguém nos conta isso”, revela.
A partir da primeira metade do século XX, o ensino contábil no Rio Grande do Sul passa a contar com várias instituições, oferecendo formação técnica e superior.
A partir da primeira metade do século XX, o ensino contábil no Rio Grande do Sul passa a contar com várias instituições, oferecendo formação técnica e superior.
O
professor Marco Aurélio Gomes Barbosa faz questão de ressaltar a
importante contribuição de um gaúcho de Piratini, Sebastião Ferreira
Soares. Ele escreve o livro Tratado de Escrituração Mercantil, aplicado
às finanças brasileiras. Devido ao seu vasto conhecimento, acabou sendo
chamado para atuar como conselheiro da corte e mudou-se para o Rio de
Janeiro, capital do Império. “Ele fornecia informações diretamente ao
imperador D. Pedro e fundou a primeira instituição contábil do País, o
clube de guarda-livros”, conta. Segundo ele, Soares também realizou a
primeira auditoria no Brasil, além de ser fundador de diversas escolas.
Destacado como um dos ícones da história contábil, Soares possui
uma vasta bibliografia versando sobre Contabilidade, Economia,
Finanças, História Financeira, Tributos, Organização e Estatística. O
contador Henrique Desjardins também é lembrado pelo professor Barbosa,
que conta que ele foi o presidente número um e o primeiro integrante do
Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC/RS).
Outra
menção importante em seus estudos é o carioca Cibilis da Rocha Viana,
escritor e ex-ministro dos presidentes João Goulart e Leonel de Moura
Brizola. Viana criou a Lei 4.320 da Contabilidade Pública.
Carreira atenta ao futuro
Eram
pelos dedos manchados de tinta que se reconhecia o contador, ou melhor,
o guarda-livro. A imagem do trabalhador reservado em uma sala distante
cercado por pilhas de papéis é realmente coisa do passado. Hoje, as
inúmeras obrigações fiscais associadas ao avanço tecnológico passaram a
exigir, obrigatoriamente, conhecimentos que vão muito além da técnica e
da teoria. De acordo com o professor Marco Aurélio Gomes Barbosa, a
prática evoluiu naturalmente, acompanhada das facilidades trazidas, tais
como o uso do tablet, iPad, iPhone e outras tantas ferramentas
disponíveis no mercado.
Para ele, a representação da categoria na
sociedade se dá pela sua própria importância. “É uma atividade que
ganha uma relevância social muito grande”, completa. “A Contabilidade
caminha para se tornar uma profissão de ponta”, diz o presidente do
Conselho Regional de Contabilidade (CRC/RS), Zulmir Breda. A pesquisa da
empresa Robert Half, especializada em recrutamento de executivos,
concluiu que, em 2010, as funções mais valorizadas entre os executivos
foram das áreas de finanças e contabilidade, ambas com o diferencial de
inglês fluente. “Ela está classificada no quarto lugar das ocupações
mais requisitadas do mundo”, conta Breda.
De acordo com o
presidente, a demanda no Brasil por pessoas capacitados tem sido grande e
há carências para as áreas de Auditoria, Controladoria e Perícia. “As
empresas querem um profissional completo, que possua mais do que
conhecimentos técnicos”, alerta.
O CRC/RS, segundo seu presidente,
tem sido ostensivo com relação à capacitação, oferecendo cursos e
solicitando estudos paralelos de complementação. Além disso, o mercado
vem exigindo o conhecimento das normas internacionais, a International
Financial Reporting Standards (IFRS).
Breda alerta para que as
pequenas empresas, que representam 95% das instituições no País, se
conscientizem da necessidade de adaptação a essas normas. “Elas poderão
ter problemas no futuro”, ressalta e diz que não faz sentido existirem
dois padrões no Brasil.
Para o presidente do Sescon/RS, Jaime
Gründler Sobrinho, o profissional contábil deixa de ser um executor para
ser um orientador que traduz as orientações contábeis para o cliente. A
entidade vem fazendo frente na discussão sobre a ocorrência de inúmeras
obrigações fiscais que acabam ocupando um longo tempo nos escritórios.
Exposição ilustra a história contábil
Com
o objetivo de mostrar a história evolutiva da profissão, a exposição
itinerante Contabilidade – Um balanço da história, com peças do Museu do
Conselho Federal de Contabilidade (CFC) está aberta à visitação do
público até o dia 30 de abril, no saguão da Biblioteca Central Irmão
José Otão da Pucrs, em Porto Alegre. A mostra homenageia o contador Ivan
Carlos Gatti, líder da classe.
A diretora da Fundação Brasileira
de Contabilidade (FBC), Ana Tércia Lopes Rodrigues, explica que a ideia é
fazer com que o museu percorra todas as capitais brasileiras, mostrando
a importância do momento histórico que o profissional vive.
O
presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul
(CRC/RS), Zulmir Breda, destaca que a exibição consegue mostrar a
história e a origem da profissão. O presidente do CFC, Juarez Domingues
Carneiro, disse que o Estado merece o museu porque tem “um Conselho
atuante, sintonizado com o Federal e que não foge dos desafios”.
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