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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

STF deve decidir sobre interrupção de prescrição fiscal

Há pouco mais de dois anos, em decisão do então ministro do STJ Luiz Fux, foi afetado à 1ª Seção daquela Corte o julgamento do Resp 1.120.295/SP, na sistemática dos recursos representativos de controvérsia.

De acordo com o despacho que determinou a afetação, pretendia-se sedimentar a questão relativa ao “termo inicial do prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança judicial dos créditos tributários declarados pelo contribuinte (mediante DCTF ou GIA, entre outros), mas não pagos”.

À época, a corte já havia pacificado a questão de que a declaração apresentada pelo contribuinte era suficiente para constituir o crédito tributário (REsp 962.372/RS e REsp 1.123.557/RS, ambos na sistemática dos “recursos repetitivos”, além da Súmula 436/STJ).
Todavia, Fisco e contribuintes ainda controvertiam quanto ao termo inicial da contagem do prazo prescricional, nesses casos. Estes, em regra, pugnavam pela contagem a partir do vencimento do tributo. Aquele, a partir da data da entrega da declaração, uma vez que na imensa maioria dos tributos sujeitos a lançamento por homologação o vencimento precedia a entrega da declaração.

A título de ilustração, confira-se o seguinte precedente, que retrata adequadamente a divergência então existente, com destaques meus:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO VIA DCTF. DÉBITO DECLARADO E NÃO PAGO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA.
[...]

3. “Divergências nas Turmas que compõem a Primeira Seção no tocante ao termo a quo do prazo prescricional: a) Primeira Turma: a partir da entrega da DCTF; b) Segunda Turma: da data do vencimento da obrigação.” (REsp 644.802/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 27.03.2007, DJ 13.04.2007, p. 363).

4. Devem-se distinguir duas situações: a) hipóteses em que a declaração é entregue antes do vencimento do prazo para pagamento (v.g. Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física); e, b) casos em que a entrega da declaração se dá após o vencimento da obrigação (v.g. DCTF).

5. Na hipótese “a” — declaração entregue antes do vencimento do prazo para pagamento —, o lapso prescricional começa a fluir a partir do dia seguinte ao do vencimento da obrigação (postulado da actio nata). Isso porque, “no interregno que medeia a declaração e o vencimento, o valor declarado a título de tributo não pode ser exigido pela Fazenda Pública, razão pela qual não corre o prazo prescricional da pretensão de cobrança nesse período.” (REsp 911.489/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 10 de abril de 2007, p. 212).

6. Na hipótese “b” — entrega da declaração após o vencimento da obrigação — não se pode cogitar do início da fluência do lapso prescricional antes da entrega da declaração, ainda que já vencido o prazo previsto em lei para pagamento, simplesmente porque não há crédito tributário constituído. É a declaração que constitui o crédito, fluindo, até a sua entrega, apenas o prazo decadencial.
[...]

9. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos, com efeitos modificativos, para conhecer do Recurso Especial e negar-lhe provimento.
(EDcl no REsp 363.259/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15 de maio de 2007, DJe 25 de agosto de 2008)

O julgado de origem (Processo n. 2002.61.82.056792-7, do TRF da 3ª Região), no caso do REsp 1.120.295/SP, implicitamente considerou a contagem a partir do vencimento da obrigação. Essa conclusão se extrai da circunstância de que o acórdão recorrido menciona apenas as datas de vencimento dos tributos em cobro (de 02/1997 a 01/1997) e do ajuizamento da execução fiscal (05/03/2002), concluindo daí ter havido o decurso do lustro prescricional.

Dado esse contexto, esperava-se apenas que o STJ sedimentasse a questão do termo inicial da contagem do prazo prescricional nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, declarados e não pagos pelo contribuinte. Afinal, essa era a questão tida por repetitiva a merecer julgamento na sistemática do artigo 543-C, do CPC, conforme consta do despacho de afetação.

Todavia, para surpresa da comunidade jurídica[1], a corte avançou, também, sobre o termo final da contagem do prazo prescricional, acerca do qual não havia sequer controvérsia nos autos, vez que o tribunal a quo já havia considerado a data do ajuizamento da execução fiscal como marco interruptivo da prescrição.

O julgamento que deveria trazer maior segurança jurídica para as relações entre o Fisco e os contribuintes tornou-se, ele próprio, fonte de insegurança. Isso porque, até então, a corte apresentava entendimento prevalecente no sentido de considerar o termo final da prescrição no momento de sua interrupção, vale dizer, na data da citação do devedor. Aliás, é nesse contexto que surge a Lei Complementar 118/2005, a qual teve por fim preservar os interesses do Fisco ante as inúmeras situações em que não era possível citar o devedor, o que conduzia à extinção do crédito tributário por força da prescrição.

É bem verdade que o STJ já vinha admitindo a aplicação do entendimento enunciado na Súmula 106/STJ em execuções fiscais tributárias. A diferença específica do julgado em questão é que a corte manifestou expressamente, sem que houvesse qualquer precedente do tribunal no mesmo sentido, a incidência da norma contida no parágrafo 1º, do artigo 219, do Código de Processo Civil.
Pelo contrário, precedente havia que reconhecia a impossibilidade de tal incidência, por impedimento constitucional. Confira-se a ementa do aludido aresto:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL — EXECUÇÃO FISCAL — PRAZO PRESCRICIONAL — INTERRUPÇÃO — CITAÇÃO VÁLIDA — REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 174, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CTN — ERRO MATERIAL — OCORRÊNCIA — ANÁLISE DE MATÉRIA ESTRANHA AOS AUTOS — POSSIBILIDADE DE EFEITOS INFRINGENTES — EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS.
[...]
3. A prescrição do crédito tributário vem disciplinada no CTN e, por exigência constitucional, somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, não se aplica a regra do artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, se a citação for válida. Aplica-se o disposto no artigo 174, parágrafo único, I, do CTN.
4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para sanar o erro material e negar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional.”

(EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1038753/RJ, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6 de novembro de 2008, DJe 28 de novembro 2008)

A conclusão que nos resta é de que o sapateiro foi além das sandálias, não havendo no horizonte esperanças de que tal entendimento seja revisto na própria corte por ocasião dos embargos de declaração, ainda pendentes de julgamento, vez que o relator por sucessão é o ministro Napoleão Nunes Maia, que já manifestou recentemente sua concordância com o entendimento firmado naquela assentada (AgRg no REsp 1265025/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17 de novembro de 2011, DJe 10 de fevereiro de 2012).

Aos contribuintes resta o Supremo Tribunal Federal, que poderá realinhar a jurisprudência nacional sobre a questão, adequando-a à Constituição.

Cumpre frisar que a Corte Suprema, quando do julgamento do RE 556.664, reconheceu serem as normas que tratam da prescrição e decadência tributárias possuidoras de natureza geral, estando, por isso, reservadas à veiculação por lei complementar desde o regime constitucional anterior.

Por essa razão, qualquer dispositivo do atual Código de Processo Civil — de 1973 — que discipline prazo, termos inicial e final e causas de interrupção e suspensão da prescrição não pode ser aplicado quando se trata de cobrança de crédito tributário, sob pena de afronta ao artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal.

Saliente-se, também, que a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, contida no artigo 219, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, foi dada pela Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, lei ordinária editada sob a égide da Constituição de 1988.

Aqui cabe uma breve digressão, acerca da lei supracitada, vez que relacionada à Súmula 106/STJ, frequentemente aplicada em execuções de créditos tributários.

O artigo 219 do CPC, desde a redação original, sempre estabeleceu a citação como o evento que interrompe a prescrição. E como é cediço, trata-se de ato complexo iniciado com o despacho que o determina. Por esta razão, somente há falar em citação quando completadas todas as etapas previstas em lei. O legislador, no entanto, permitiu que o efeito interruptivo se revelasse no momento em que se inicia a citação, vale dizer, naquele em que é feito o despacho inicial, desde que fossem cumpridas determinadas condições pelo autor, nos prazos assinalados.

Não raro, tais prazos não eram cumpridos, em função da histórica lentidão do Poder Judiciário, o que eventualmente ensejava a alegação de prescrição por parte do réu. Em função disso, o hoje extinto Tribunal Federal de Recursos, no ano de 1981, editou a Súmula 78/TFR, cujo teor era o seguinte: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição”.

A Súmula 106/STJ, editada em 26 de maio de 1994, nada mais é do que uma atualização do referido enunciado, com uma ligeira modificação, para acrescentar o termo decadência: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadencia.

Ressalte-se, ademais, que os precedentes de edição dos referidos enunciados são todos relacionados a matéria diversa da tributária, que sabidamente tem regramento próprio no tocante à prescrição.

Editada a Súmula 106/STJ, alguns meses depois o Congresso Nacional aprova a Lei 8.952, para, dentre outras modificações, atribuir ao parágrafo 2º, do artigo 219, do CPC, a seguinte redaçãos: “parágrafo 2o — Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário”.

O entendimento que antes era apenas jurisprudencial ganha consagração legislativa, tornando, evidentemente, inócua a súmula, vez que seu enunciado foi incorporado ao texto legal. Esse é o entendimento, aliás, de Lima Júnior (2010)[2], para quem “a alteração do CPC pela Lei 8.952/1994 já autoriza concluir, de plano, pela inocuidade da Súmula 106 no hodierno ordenamento jurídico, haja vista que seu enunciado foi incorporado ao próprio texto legal. Dita súmula prestava-se a fixar interpretação jurisprudencial a respeito da redação originária do artigo 219. Na medida em que essa interpretação foi corporificada na lei processual, pode-se concluir que tal súmula para nada mais se presta. Em outro dizer, ficou superada com a alteração legislativa”. (p.95)

Portanto, na medida em que as súmulas, excetuadas as vinculantes, não têm caráter normativo, quando os tribunais aplicam o entendimento da Súmula 106/STJ na cobrança de crédito tributário, estão fazendo incidir o disposto no parágrafo 2º, do artigo 219, do CPC, o que, pelas mesmas razões já declinadas, também viola a Constituição.

Logo, a jurisprudência capitaneada pelo STJ mostra-se em conflito com a Constituição Federal, seja quando determina a aplicação do artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, seja quando se vale da Súmula 106/STJ, que hoje corresponde à incidência do parágrafo 2º, do mesmo artigo supracitado.

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em recurso extraordinário que trata de questão análoga. Trata-se do RE 636.562/SC, de relatoria do ministro Joaquim Barbosa, cuja decisão restou assim ementada:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO — ADMINISTRATIVO — FINANCEIRO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MARCO INICIAL. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS PARA DISPOR SOBRE PRESCRIÇÃO. SUPREMACIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL POR FORÇA DA CONSTITUIÇÃO. ART. 173 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. ART. 40, § 4º DA LEI 6.830/1980 (REDAÇÃO DA LEI 11.051/2004). ART, 146, III, B DA CONSTITUIÇÃO. Possui repercussão geral a discussão sobre o marco inicial da contagem do prazo de que dispõe a Fazenda Pública para localizar bens do executado, nos termos do artigo 40, parágrafo 4º da Lei 6.830/1980.
(RE 636562 RG, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 21 de abril de 2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 30 de novembro de 2011 PUBLIC 01 de dezembro de 2011 )

Sem dúvida alguma de que a conclusão a ser adotada nesse RE há de indicar as chances de êxito em eventual alçada de recurso específico sobre a matéria, oportunizando, inclusive, a modificação da jurisprudência do STJ sponte sua.

Enquanto isso não acontece, é possível constatar que já surgiram decisões na linha do que foi defendido até aqui — pelo menos no tocante ao parágrafo 1º, do artigo 219. Confiram-se os seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA Nº 106/STJ.

1. A prescrição é matéria de ordem pública, suscetível de ser alegada a qualquer momento e, inclusive, conhecida de ofício pelo julgador.

2. Aplica-se o prazo quinquenal estipulado no artigo 174 do CTN, segundo o qual a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos contados da data da sua constituição definitiva.

3. Considerando que a propositura da ação ocorreu em 24 de abril de 2002, às vésperas da prescrição do crédito tributário (12 de maio de 2002), afasta-se a aplicação da Súmula 106 do STJ e conclui-se que o crédito exequendo restou atingido pela prescrição, porquanto decorridos mais de 05 (cinco) anos entre a constituição do crédito tributário e a citação da executada.

4. As causas interruptivas da prescrição do crédito tributário estão disciplinadas no artigo 174, parágrafo único e incisos, do Código Tributário Nacional. Assim, não se aplica, na hipótese, o artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, sobretudo, porque há lei especial que regula a questão, bem como pelo fato de que, de acordo com a Constituição da República, artigo 146, inciso III, alínea ‘b’, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição.
(TRF4, AC 0002811-71.2011.404.9999, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 18 de abril de 2011)
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. § 2º DO ART. 8º DA LEI Nº 6.830/80. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. § 1º DO ART. 219 DO CPC. INAPLICABILIDADE.

1. A prescrição do crédito tributário é matéria reservada à lei complementar, não se aplicando a regra do artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação.

2. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 2007.71.99.009242-1, declarou, sem redução de texto, a “inconstitucionalidade parcial do parágrafo 2º do artigo 8º da Lei 6.830/1980, limitando os efeitos da declaração às dívidas de natureza tributária”.

3. Hipótese em que a interrupção da fluência do prazo prescricional ocorre com a citação pessoal do executado, na forma do inciso I do parágrafo único do artigo 174 do CTN, com a redação anterior à LC 118/2005.


(TRF4, AC 200572010016483, Primeira Turma, Relator Jorge Antônio Maurique, D.E. 23 de março de 2010)
Contudo, não é possível deixar de notar que a tentação do alinhamento, notadamente em relação aos casos julgados na sistemática do artigo 543-C, do CPC, é muito forte, pois permite ao Judiciário, que já se encontra abarrotado, produzir maior número de decisões em menor tempo, bastando mencionar o leading case.
De todo modo, aguardemos os próximos desdobramentos jurisprudenciais.
[1] Revista Consultor Jurídico, “STJ vota tese não levantada em recurso repetitivo”, de 22 de junho de 2010 (http://www.conjur.com.br/2010-jun-22/julgar-recurso-repetitivo-stj-vota-tese-nao-mencionada-antes)
[2] LIMA JÚNIOR, José Gonçalves de. Interrupção da Prescrição na Execução Fiscal: Involução e Inconstitucionalidade da Recente Decisão do Superior Tribunal de Justiça. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 181, p. 89-108, Outubro/2010.
Rodrigo Rodrigues de Farias é técnico judiciário da Seção Judiciária de Minas Gerais – Subseção de Governador Valadares, ex-analista judiciário do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Conjur
Fonte: Matéria divulgada no site Jornal Contábil

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