1 - Introdução
Os empregados domésticos sempre foram discriminados. Seja na sua
origem, escravocrata, seja nos dias de hoje. O presente estudo, num
primeiro momento, buscará explicar o que é o empregado doméstico e fazer
um apanhado geral acerca de seus direitos trabalhistas e
previdenciários para, então, num segundo momento, discutir acerca da
"PEC das Domésticas", assunto muito polêmico que vem gerando dúvidas se
será benéfico ou não à categoria.
2 - Evolução histórica
A origem da classe doméstica remonta à Antiguidade. O serviço
doméstico teria surgido nesse período histórico, sendo prestado
principalmente por escravos, vencidos em confrontos bélicos,
especialmente mulheres e crianças que, subjugados, passavam a servir
seus amos. Já na Idade Média, o sistema feudal de produção, baseado na
exploração servil, originou duas categorias: o "servus rusticus" e o
"servus ministerialis ou famuli" (01). O primeiro se encarregava de
trabalhos na lavoura e pecuária, enquanto que o segundo se encarregava
de tarefas domésticas junto aos senhores feudais.
Por seu turno, o trabalho doméstico, no Brasil, reporta-se ao
período colonial da escravização negra (Século XVI), no qual as mulheres
negras tinham por atribuições a "organização de lares, alimentando
filhos e famílias de escravocratas" (02). E, durante séculos, até a
Abolição da Escravatura, com a sanção daLei Áurea(13.5.1988), o serviço
doméstico permaneceu nesses moldes, sem que houvesse o mínimo respeito
aos direitos humanos dessa classe de obreiros.
A situação não mudou com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
(Decreto-Lei nº 5.452, de 1º.5.1943), pois esse diploma excluiu
taxativamente os domésticos de suas disposições legais, ainda que esses
participassem de uma relação de emprego. Dispõe oartigo 7º, inciso I, do
referido diploma:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo
quando fôr [sic] em cada caso, expressamente determinado em contrário,
não se aplicam: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.079, 11.10.1945)
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam Serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas (grifei).
Somente em 1972, com a edição de sua própria lei, é que os
empregados domésticos passaram a gozar de (parcos) direitos sociais, que
até então não lhe eram conferidos.
Já com aConstituição Federal de 1988, constituiu-se um marco
histórico na vida política e social do país; houve a efetiva busca aos
princípios da liberdade e igualdade, já trazidos desde a Revolução
Francesa de 1789. No artigo 7º da CF/88, foram arrolados os direitos
sociais, sendo que, em seu parágrafo único restringiu apenas alguns aos
domésticos. Em 2.4.2013, com aEC nº 72/2013, o rol de direitos foi
estendido, a fim de "estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas
entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e
rurais". Sobre isso, trataremos mais adiante.
3 - O empregado doméstico
3.1 - Conceito
Atualmente, o diploma legal que trata do empregado doméstico é aLei
nº 5.859, de 11.12.1972, regulamentada peloDecreto nº 71.885, de
9.3.1973, que, já no seuartigo 1º, define o que é o empregado doméstico,
num conceito muito semelhante ao tratado naCLTacima referido:
Art. 1º. Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta Serviços
de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou a
família, no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei
(grifei).
A partir desse artigo, é necessário fazer algumas considerações.
O primeiro ponto a esclarecer é que o empregado doméstico deve ser
pessoa física. Nesses termos, integram a categoria os seguintes
trabalhadores: cozinheira, governanta, babá, lavadeira, vigia, motorista
particular, jardineiro, acompanhante de idosos entre outros. O caseiro e
o marinheiro particular também são considerados empregados domésticos
quando o local onde exercem a sua atividade não possui finalidade
lucrativa. Os empregados de condomínios descritos naLei nº
2.757/56(porteiros, serventes, zeladores etc.), desde que a serviço da
administração do edifício, e não de cada condômino em particular, são
empregados regidos pelaCLT, e não domésticos. Por outro lado, cumpre
salientar que a doutrina e a jurisprudência têm rechaçado a
possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício do doméstico
envolvendo cônjuges, seja nas relações matrimoniais formais, seja na
união estável do casal, em face da inexistência de hierarquia entre os
cônjuges, mas sim de Sociedade de fato ou de direito (03).
Quanto à natureza contínua (frequente ou constante), o entendimento
jurisprudencial e doutrinário é divergente. Há, inclusive, duas
correntes preponderantes referentes à matéria. A primeira delas diz que
contínuo é "aquilo que não sofre interrupção", assim, trabalho contínuo
significa trabalho dia a dia, sem interrupção, de segunda à sexta-feira
ou de segunda a sábado. Caso não haja trabalho durante toda a semana,
não será considerado empregado doméstico o diarista, eventual, autônomo,
seja qual for a nomenclatura utilizada.
DIARISTA. AUSÊNCIA DE CONTINUIDADE NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. NÃO FORMAÇÃO DE VÍNCULO DE EMPREGO DOMÉSTICO. Os Serviços
de limpeza foram prestados para os reclamados apenas duas vezes por
semana, pelo que se reputa ausente o requisito da continuidade, exigido
pelo art. 1º da Lei nº 5.859/72 para a caracterização do vínculo de
emprego de natureza doméstica. Recurso não-provido. (Acórdão - Processo
nº: 00474-2007-006-04-00-2 (RO). Redator: Denis Marcelo de Lima
Molarinho. Data: 18/09/2008. Origem: 6ª Vara do Trabalho de Porto
Alegre).
Já a segunda corrente, por sua vez, diz que o trabalho realizado em
determinados dias da semana, desde que pré-ajustado, não perde a
característica de trabalho contínuo. Colaciona-se jurisprudência nesse
sentido:
VÍNCULO DE EMPREGO. FAXINEIRA. Entende-se que a prestação do
serviço de forma sistemática caracteriza a relação de emprego, não
obstante o número de dias trabalhados durante a semana. Na prestação de Serviços
realizados, ainda que uma vez por semana, durante vários anos,
efetuados no interesse normal e permanente do empregador, há
continuidade. (TRT 4ª Região. Acórdão - Processo nº:
00853-2006-026-04-00-6 (RO). Redator: Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo.
Data: 09/04/2008. Origem: 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre).
Conforme esse entendimento há uma linha tênue entre o conceito de
empregado doméstico e diarista. O diarista, em regra, é considerado
trabalhador eventual, pois exerce trabalho caráter esporádico,
temporário, de curta duração. No trabalho eventual não há qualquer
espécie de continuidade na prestação dos serviços, mas em caráter
eventual. Por outro lado, exercendo trabalho em dias certos, com horário
marcado, o diarista deixaria de ser considerado trabalhador eventual,
passando a ser empregado doméstico.
Há ainda os que sustentam que, caso o obreiro trabalhe três ou mais
vezes por semana, já seria considerado empregado doméstico. Trata-se de
um marco (3 dias) não embasado em nenhum aspecto normativo. Todavia, já
há decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) contrapondo o
entendimento referido:
DIARISTA QUE PRESTA SERVIÇOS EM RESIDÊNCIA APENAS EM TRÊS DIAS DA
SEMANA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O reconhecimento do
vínculo empregatício do doméstico está condicionado à continuidade na
prestação dos serviços, não se prestando ao reconhecimento do liame a
realização de trabalho durante alguns dias da semana (in casu três),
considerando-se que, para o doméstico com vínculo de emprego permanente,
a sua jornada de trabalho, geral e normalmente, é executada de
segunda-feira a sábado, ou seja, seis dias na semana, até porque foi
assegurado ao doméstico o descanso semanal remunerado (...) O caráter de
eventualidade do qual se reveste o trabalho do diarista decorre da
inexistência de garantia de continuidade da relação. (...). Recurso de
Revista conhecido e desprovido. Vistos, relatados e discutidos estes
autos de (Recurso de Revista nº TST-RR-776.500/2001) (grifei).
Vale aqui salientar que está tramitando na Câmara dos Deputados o
Projeto de Lei nº 7.279/2010, que dispõe que é diarista apenas o
trabalhador que presta Serviços no máximo uma vez por semana ao mesmo contratante, recebendo o pagamento pelos Serviços prestados no dia da diária, sem vínculo empregatício.
Quanto ao segundo requisito, a finalidade não lucrativa, esta diz
respeito ao empregador doméstico, porque é claro que o empregado
trabalha com o fim de receber salário, o que, aliás, não é lucro. Assim,
o traço diferenciador do emprego doméstico é o caráter não econômico da
atividade exercida no âmbito residencial do empregador.
TRABALHADOR DOMÉSTICO. Não é trabalhador doméstico o empregado que
trabalha em atividade que gera lucro ao empregador. (TRT 4ª Região.
Acórdão - Processo nº: 00531-2006-303-04-00-8 (RO). Redatora: Beatriz
Renck. Data: 25/06/2008. Origem: 3ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo).
A pessoa ou família que, sem finalidade lucrativa, admite empregado doméstico para lhe prestar Serviços
de natureza contínua no seu âmbito residencial, é o empregador
doméstico, tal como dispõe oart. 14, inciso II, da Lei nº 8.213, de
24.7.1991. Entende-se como domicílio da pessoa natural o lugar onde ela
estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70 do Código
Civil). Âmbito residencial, assim, para fins da lei, não é
necessariamente onde o empregador reside ou dorme, já que uma pessoa
pode ter várias residências (mas só um domicílio).
Caso o trabalho seja exercido pelo empregado doméstico com fins
lucrativos (v.g. o empregado trabalha na empresa da família ou trabalha
como cozinheiro, preparando refeições que serão comercializadas pela
família), o empregado não será doméstico, mas sim empregado regido
pelaCLT, ou então, empregado rural, dependendo do caso.
3.2 - Direitos dos domésticos
3.2.1 - Direitos antes da EC nº 72/2013
Quanto aos direitos concedidos aos empregados domésticos,
aConstituição Federal de 1988, no artigo 7º, parágrafo único, na sua
redação original, dispunha: "São assegurados à categoria dos
trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII,
XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à
previdência social". Com isso, até 2013, os domésticos apenas tinham
direito a:
a) salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer
fim (IV);
b) irredutibilidade do salário (VI);
c) décimo terceiro salário com base na Remuneração
integral ou no valor da aposentadoria (VIII): concedido anualmente, em
duas parcelas. A primeira, entre os meses de fevereiro e novembro, no
valor correspondente à metade do salário do mês anterior, e a segunda,
até o dia 20 (vinte) de dezembro, no valor da Remuneração de dezembro, descontado o adiantamento feito (Lei nº 4.090, de 13.7.1962, regulamentada peloDecreto nº 57.155, de 3.11.1965);
d) repouso semanal remunerado (XV): preferencialmente aos domingos;
e) gozo de férias anuais (04), com pelo menos 1/3 (um terço) a mais
do que o salário normal (XVII): após cada período de 12 (doze) meses de
serviço prestado à mesma pessoa ou família, contado da data da
admissão. O empregado pode requerer a conversão de 1/3 (um terço) do
valor das férias em abono pecuniário (transformar em dinheiro 1/3 das
férias), desde que requeira até 15 (quinze) dias antes do término do
período aquisitivo. O pagamento da Remuneração das férias será efetuado até 02 (dois) dias antes do início do respectivo período de gozo (artigo 145 da CLT).
f) licença à gestante, de 120 (cento e vinte) dias (XVIII);
g) licença-paternidade (XIX): de 05 (cinco) dias corridos, para o
empregado, a contar da data do nascimento do filho (art. 10, § 1º, do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias);
h) aviso prévio proporcional (XXI): quando uma das partes quiser
rescindir o contrato de trabalho deverá comunicar a outra sua decisão,
com antecedência mínima de 30 (trinta) dias aos empregados que contem
com até um ano de serviço, sendo acrescidos 03 (três) dias por ano de
serviço prestado, até o máximo de 60 (sessenta), perfazendo um total de
até 90 (noventa) dias, conforme aLei nº 12.506/2011. Dispõe ainda sobre o
tema, oart. 487, §§ 1º e 2º, da CLT. O período do aviso-prévio
indenizado é computado para fins de cálculo das parcelas de 13º salário e
férias;
i) aposentadoria (XXIV) e integração à Previdência Social.
Quanto a esse último direito, cabe esclarecer que, nos termos
doart. 4º da Lei nº 5.859/72,art. 12, inciso II, da Lei nº 8.212/91eart.
11, inciso II, da Lei nº 8.213/91, os empregados domésticos são
segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Assim, faziam jus a quase todos os benefícios da Previdência Social,
quais sejam: aposentadoria por idade (05), aposentadoria por tempo de
contribuição (06) e aposentadoria por invalidez (07) - tal como dispõe
oart. 7º, parágrafo único, da CF/88-, auxílio-doença (08),
auxílio-reclusão (09), salário-maternidade (10) e pensão por morte (11),
à exceção do auxílio-acidente (art. 86, da Lei nº 8.213/91) e
salário-família (art. 7º, XII, eart. 201, IV, ambos da CF/88eart. 65/70,
da Lei nº 8.213/91), regra que mudou com aEC nº 72/2013, como se verá
mais adiante.
A contribuição do empregado doméstico é calculada mediante a
aplicação de alíquota de 8%, 9% ou 11% sobre seu salário de contribuição
mensal, isto é, de conforme o valor da Remuneração
registrada na sua CTPS (art. 20e28, inciso II, ambos da Lei nº
8.212/91); por seu turno, a contribuição do empregador doméstico é de
12% do salário de contribuição do empregado doméstico a seu serviço
(art. 24 da Lei nº 8.212/91), sendo que cabe ao último a arrecadação da
contribuição do primeiro, bem como a sua (art. 30, inciso V, da Lei nº
8.212/91), até o dia 15 (quinze) do mês seguinte ao da competência,
utilizando-se de um único documento de arrecadação, a Guia da
Previdência Social (GPS).
Afora o rol de direitos constitucionais, é devido, ainda, ao
empregado doméstico vale-transporte (instituído pelaLei nº 7.418, de
16.12.1985, e regulamentado peloDecreto nº 95.247, de 17.11.1987) quando
da utilização de meios de transporte coletivo urbano, intermunicipal ou
interestadual com características semelhantes ao urbano, para
deslocamento residência/trabalho e vice-versa. Para tanto, o empregado
deverá declarar a quantidade de vales necessária para o efetivo
deslocamento.
Com a edição daLei nº 11.324, de 19.7.2006, que alterou artigos
daLei nº 5.859, de 11.12.1972, os direitos sociais de tal classe
trabalhadora foram majorados, sendo que:
a) é vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do
empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou
moradia. Tais utilidades não têm natureza salarial nem se incorporam à Remuneração
para quaisquer efeitos. Podem ser descontadas as despesas com moradia
apenas quando essa se referir a local diverso da residência em que
ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha
sido expressamente acordada entre as partes. Por outro lado, o
empregador poderá descontar dos salários do empregado faltas ao serviço,
não justificadas ou que não foram previamente autorizadas; até 6% do
salário contratado, limitado ao montante de vales-transportes recebidos e
os adiantamentos concedidos mediante recibo;
b) o empregado doméstico passou a ter direito a férias anuais
remuneradas de 30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço) a mais
que o salário normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho,
prestado à mesma pessoa ou família - antes eram 20 (vinte) dias úteis;
c) é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada
doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses
após o parto (estabilidade gestante);
d) revogou-se a alínea "a" do art. 5º da Lei nº 605, de 5.1.1949,
ou seja, a partir de 20.7.2006, empregado doméstico também faz jus ao
descanso remunerado nos feriados civis e religiosos. Caso haja trabalho
em feriado civil ou religioso o empregador deve proceder com o pagamento
do dia em dobro ou conceder uma folga compensatória em outro dia da
semana (art. 9º da Lei nº 605/49).
Em 13.12.1999 foi editada a MP nº 1.986, que facultava (de forma
irretratável por parte do empregador) o acesso ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS) e, consequentemente, ao seguro-desemprego.
Convertida em Lei, acresceu-se, àLei nº 5.859/72, osartigos
3º-A;6º-A;6º-B;6º-Ce6º-D. Todavia, com aEC nº 72/2013, esse direito
deixou de ser uma faculdade, como se discorrerá no próximo tópico.
Entretanto, essas modificações ainda dependem de regulamentação.
Até então, o empregador que optasse por tal regra, deveria recolher
o valor de 8% do salário pago ou devido mensalmente. Ocorrendo rescisão
do contrato de trabalho, deveriam ser observadas as hipóteses de
desligamento para recolhimento do percentual incidente sobre o montante
de todos os depósitos realizados durante a vigência do contrato,
devidamente atualizados, na conta vinculada do empregado: a) despedida
pelo empregador sem justa causa 40%; b) despedida por culpa recíproca ou
força maior 20% (art. 18, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.036, de 11.5.1990).
O seguro-desemprego, como referido acima, é concedido
exclusivamente ao empregado inscrito no FGTS, por um período mínimo de
15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses contados da
dispensa sem justa causa, que não está em gozo de qualquer benefício
previdenciário de prestação continuada, excetuados auxílio-acidente e
pensão por morte e, ainda, que não possui renda própria de qualquer
natureza. As hipóteses de justa causa são as constantes doart. 482 da
CLT, à exceção das alíneas "c" e "g".
Para cálculo do período do benefício, são considerados os meses de
depósitos feitos ao FGTS, em nome do empregado doméstico, por uma ou
mais empregadores. O valor do seguro-desemprego ao doméstico consiste no
pagamento de 01 (um) salário mínimo, por um período máximo de 3 (três)
meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo de 16
(dezesseis) meses.
4 - A EC nº 72/2013
4.1 - Os novos direitos com a EC nº 72/2013
Com aEmenda Constitucional nº 72/2013, derivada da Proposta de
Emenda à Constituição nº 478/2010 (número na Câmara dos Deputados) e nº
66/2012 (número no Senado Federal), o parágrafo único doart. 7º da
CF/88passou a ter a seguinte redação:
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores
domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII,
XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e,
atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação
do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias,
decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos
nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração
à previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72,
de 2013) (grifei).
Assim, somados aos direitos já tratados no tópico anterior, os domésticos passaram a ser beneficiados por:
a) garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem Remuneração Variável (VII);
b) proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa (X);
c) duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a
redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho
(XIII);
d) Remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal (XVI): as chamadas horas extras;
e) redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (XXII);
f) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (XXVI);
g) proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil
(XXX);
h) proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e
critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (XXXI);
i) proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores
de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (XXXIII);
E, após regulamentação:
a) relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem
justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória (I): direito esse sequer regulamentado para os outros
trabalhadores, sendo que a multa compensatória do FGTS lhe faz as vezes;
b) seguro-desemprego, em caso de Desemprego
involuntário (II) e fundo de garantia do tempo de serviço (III):
benefícios que eram concedidos até então apenas a critério do empregador
doméstico;
c) Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (IX);
d) salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de
baixa renda nos termos da lei (XII): benefício previdenciário este
concedido até então apenas aos segurados "empregado" e "trabalhador
avulso";
e) assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (XXV);
f) seguro contra acidentes de trabalho (SAT), a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando
incorrer em dolo ou culpa (XXVIII);
Apenas não foram estendidos aos domésticos os direitos previstos
nos incisos V (piso salarial) (todavia, muitos estados já o fixaram, com
base naLei Complementar nº 103/2000), XIV (jornada de seis horas para o
trabalho realizado em turnos interruptos de revezamento), XX (proteção
do mercado de trabalho da mulher, mediantes incentivos específicos),
XXIII (adicional de penosidade, insalubridade e periculosidade), além
dos inaplicáveis à categoria, quais sejam, incisos XI, XXVII, XXXII e
XXXIV.
4.2 - Críticas à Emenda
Em primeiro lugar, cabe dizer que essa emenda enfim pôs fim a uma
discriminação descabida à categoria dos domésticos. Por uma questão
cultural de longa data, o País concedeu a esses trabalhadores, que, via
de regra, muito trabalham e pouco recebem, parcos direitos sociais,
insuficientes a garantir sua dignidade.
Todavia, verifica-se que o trâmite da referida norma foi
precipitado. Sequer cogitaram as inúmeras hipóteses e particularidades
dos domésticos. A princípio, o texto da PEC 478/2010 era de simplesmente
revogar o parágrafo único doart. 7º da CF/88. No final, a redação final
foi modificada, mas ainda assim surgem inúmeros questionamentos.
Sabe-se que os direitos concedidos aos domésticos, à exceção dos
que dependem de regulamentação, têm aplicabilidade imediata, nos termos
do § 1º doart. 5º da CF/88.
Pois bem. No tocante à situação das horas extras e respectivo
adicional, como poderá, por exemplo, o empregador controlar a jornada de
trabalho de um caseiro ou de uma cuidadora de seus pais idosos? Como
ficará a situação do doméstico que dorme na residência do patrão? O
patrão deverá fiscalizar a hora que o empregado se acorda, que inicia e
que finda o serviço, sob pena de, no futuro, ter que pagar horas extras?
Como fará esse controle quando o empregado está acostumado a trabalhar
de forma intermitente?
E quanto às normas de saúde, especificamente, quanto aos intervalos
intra (12) e interjornada (13), como poderá fiscalizar aquele
empregador que fica o dia fora de casa?
Agora que possuem jornada de trabalho, será possível que o
doméstico trabalhe por tempo parcial (art. 58-A), recebendo
proporcionalmente à jornada trabalhada?
Concedendo o direito às normas coletivas, também se multiplicarão
sindicatos profissionais de domésticas e patronais de empregadores
domésticos. Mas estes últimos têm amparo jurídico? Como referiu o
Professor Renato Saraiva (14), seguindo aCLT, não poderiam fazer parte
de um sindicato de "categoria econômica", pois o diferencial do
empregador doméstico é justamente o de não exercer atividade econômica.
Como se pode ver não se deram conta, ao aprovar a referida emenda,
das particularidades do empregado doméstico. Sob a argumentação de
trazer igualdade à classe com essas "ações discriminatórias positivas",
verifica-se nitidamente que os parlamentares não refletiram as suas
consequências e o reflexo que produzirá essa norma na sociedade.
Sabe-se que o empregador doméstico no Brasil é, em geral, uma
pessoa de classe média, e não uma empresa que conta com uma vasta
assessoria jurídica e contábil. Logo, muitos não entendem o real impacto
da norma e como se pode ver nos noticiários, começam a dispensar seus
empregados domésticos de anos e a contratar diaristas (15), na busca de
um serviço mais barato.
Em decorrência dessa emenda constitucional, outros patrões, como
todo o brasileiro, preferirão manter a doméstica de forma irregular, na
informalidade. Quando dispensada, esta ajuizará uma reclamação, onde
pleiteará todos os seus direitos. E, como se sabe, na Justiça do
Trabalho, vigora o princípio da proteção, sendo que o empregado é a
parte hipossuficiente na relação empregatícia. Logo, poderá o juiz
inverter o ônus da prova, e exigir do empregador que comprove que sua
doméstica não laborou horas extras, que era respeitado o intervalo intra
e interjornada etc. Não podendo fazer prova contrária, o empregador
certamente deverá arcar com o custo de sua irresponsabilidade. Não se
pode olvidar aqui que, nos termos daLei nº 8.009, de 29.3.1990, é
impenhorável o bem de família, isto é, o imóvel residencial próprio do
casal, ou da entidade familiar, salvo em razão dos créditos de
trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias (art. 3º). Logo, o empregador poderá, inclusive, ficar
sem a sua própria casa.
Há ainda no País aquela questão cultural errônea de que o doméstico
é uma pessoa desqualificada que presta um serviço barato. As novas
regras advindas da emenda constitucional irão provocar mudanças no
pensamento e na rotina familiar. Desse modo, na medida em que a lei irá
amparar, contribuirá para o surgimento de um novo quadro na Sociedade
brasileira. O que a lei tratar na legislação trabalhista será violado,
como são frequentemente violados os direitos de trabalhadores de outros
segmentos do mercado, que se fazem representar por advogados que atuam
em Direito do Trabalho.
O projeto da emenda, que teve em seu bojo a legitimação da questão
social, parece ter por de trás dele toda uma estratégica oculta,
político-econômica. Não o fizeram apenas por "caridade", mas também
pensando no retorno financeiro que trará a obrigatoriedade do FGTS, das
contribuições sindicais, enfim. Além disso, sem empregados, a família
brasileira de classe média será levada a consumir mais. Assim sendo, irá
comprar mais Bens
de consumo "duráveis", que têm um tempo útil, pensado, pré-estabelecido
pelo fabricante. Todos hão de concordar que nossas lava-roupas, por
exemplo, não tem a durabilidade das que tinham as nossas mães. Nem
nossos refrigeradores são robustos como os equipavam as cozinhas de
nossas avós, nem nossos ferros de passar roupas são para uma vida toda.
Se por um lado o fator pouca durabilidade aliado ao consumo alavanca a Produção na indústria, que por sua vez para produzir mais terá de investir em mais Bens de Produção para industrializar os tais Bens "duráveis", e por que não os semiduráveis também?
O setor da indústria e, em consequência, do comércio terão maior
ritmo produtivo, o que ainda poderá implicar na concorrência e nos
preços. Sem aqui considerar o aumento das vendas com uma consequente
arrecadação tributária favorável para o Estado. Aí cabe a regra da Lei
da Oferta
e da Procura que estabelece uma relação direta entre a quantidade, no
caso a oferta, e a demanda, correspondente à procura. A lei estabelece o
Preço do produto, pois se a Oferta é maior que o produto, o Preço cai. Já o inverso, procura maior que a oferta, o Preço do produto aumenta.
Como consequência, essa norma poderá desfavorecer a classe dos
empregados domésticos, deixando-os desempregados. Obviamente, as buscas
para a aquisição dos Bens
de consumo se intensificarão. Tornar-se-ão mais necessários à família.
Desnecessário se tornará ela, a empregada doméstica que trabalha como
faxineira ou lavadeira. E eles, os bens, talvez mais populares. Quantos
aos empregados caseiros, também serão dispensados, e as famílias
investirão cada vez mais em sistemas de segurança e vigilância,
fomentado esse mercado.
5 - Considerações finais
Feitas essas considerações, pode-se concluir que os empregados
domésticos, há muito discriminados, em termos jurídicos e sociais, tanto
por parte do Governo como por parte dos empregadores domésticos,
sobretudo em razão de sua origem, baseada na servidão e escravidão,
somente tiveram os seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários
atendidos de forma "tímida" com o advento da Carta Magna e,
recentemente, com aEC nº 72/2013, sendo respeitados como os demais
trabalhadores, com a devida igualdade e dignidade humana.
De fato, essa emenda "extirpou", como referido na Proposta, a
discriminação contra os domésticos. Todavia, se mostra um diploma
irregular, precipitado, perigoso, que foi elaborado às pressas, sem
maiores discussões, considerando o impacto que produzirá na sociedade.
Não se sabe o real motivo da pressa em promulgar a emenda, mas
certamente, não foi apenas de beneficiar a categoria; há interesses de
cunho político e financeiro que falam mais alto.
Muitas famílias não terão mais empregadas domésticas faxineiras ou
lavadeiras, uma vez que a norma desencadeará uma relação com maior
custo. As famílias comprarão mais Bens
funcionais, equiparão as cozinhas, as lavanderias, não economizarão em
aparelhos que facilite as tarefas do dia-a-dia, comprarão casas e
apartamentos menores. A mulher, a mãe, quer seja profissional liberal,
executiva, empresária, professora, ou qualquer que seja a profissão,
dará o café da manhã como a norte-americana e a europeia. Os filhos
arrumarão as suas próprias camas e armários, o marido lavará a louça,
ajudará a aspirar e cozinhar. Contratarão uma ou duas diaristas, por
dois dias na semana, mediante uma empresa de Produção de serviços.
Quem tem crianças ou familiares idosos que precisam de
acompanhamento, por outro lado, não poderão abrir mão do serviço
doméstico. Mas certamente se já contam com empregados recebendo valor
acima do mínimo, os dispensarão e contratarão outros por menor salário.
Empregadores irresponsáveis continuarão ou passarão a manter o
empregado na informalidade. Como consequência, veremos daqui alguns dias
inúmeras reclamações movidas pelos domésticos e milhares de patrões
indo à insolvência, tendo em vista a dificuldade de fazer prova
contrária às alegações de seus ex-empregados na Justiça do Trabalho.
Na Internet e na mídia, pode-se verificar que há muitos
empregadores domésticos com dúvidas sobre como agir diante das novas
normas e advogados aconselhando com base em "achismos". Mas respostas
efetivas às perguntas suscitadas acima quanto às horas extras, normas de
saúde, entre outras, parece que somente serão respondidas por futuras
súmulas e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), o que ocorre muito na prática do Direito do Trabalho. É o
Judiciário legislando no lugar de parlamentares inconsequentes.
A classe dos domésticos, como se vê, ainda não analisou os reais
efeitos da emenda constitucional, razão pela qual está esperançosa,
sorridente. Quem sabe, sonhando em gastar mais com os Bens
de consumo duráveis. Os empregados domésticos, desempregados pelo
efeito da medida, terão de se qualificar para poderem entrar no mercado
de trabalho como diaristas, submetidos às empresas intermediárias
prestadoras destes serviços, ou então, trabalharão na informalidade
caridosamente ao empregador até e somente até serem dispensados.
Família brasileira classe média, bem-vinda a um novo modo de vida, sem empregado doméstico, é claro!
José Pedro Oliveira Rosses*
Beatriz Helena de Castro Montoito*
Texto publicado originalmente no Jus Navigandi (www.jus.com.br), reproduzido mediante permissão expressa do site e de seu autor.
Fonte: FISCOSOFT