Estruturada para estimular
setores econômicos e diminuir o impacto da carga tributária
previdenciária, a renúncia fiscal acabou onerando companhias que
contratam menos e faturam mais
Marina Schmidt
MARCELO G. RIBEIRO/JC
Artigo vetado pela presidente é
ponto mais criticado, afirma Xavier
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Quando a série de desonerações da
folha de pagamento, instituídas a partir de 2011, impôs aos setores
econômicos contemplados a substituição da contribuição previdenciária
patronal sobre a folha de salários (equivalente a 20%) por receita bruta
(com alíquotas de 1% e 2%, incidentes sobre o faturamento) essa relação
se inverteu.
Por um lado, a mudança alcançou, segundo
especialistas, o objetivo de ampliar a competitividade e a formalização
do mercado de trabalho, desonerando e beneficiando a maior parte das
empresas atingidas pela medida. Por outro, onerou empresas que dependem
de menos funcionários ou que têm um faturamento elevado.
“As
queixas estão muito pulverizadas, mas há reclamação de diversos
setores”, avalia o contador José Maria Chapina Alcazar,
diretor-presidente da Seteco e Asplan Sistemas. Mesmo entre entidades de
classe, que representam segmentos incluídos na medida, os casos de
empresas que tiveram mais perdas do que ganhos não são raros. Mas,
apesar da dificuldade em contabilizar se há mais contentes ou
descontentes, a medida tem tido um efeito positivo.
“A
desoneração da folha de pagamento patronal é uma reivindicação antiga de
todos os setores da economia nacional, pois o valor pago de tributos
pelas empresas torna muitos negócios impraticáveis”, explica o diretor
executivo da Confirp Consultoria Contábil, Richard Domingos.
“Entretanto, existem casos de clientes da Confirp que têm que pagar mais
tributos por causa desse projeto, principalmente pequenos comércios e
consultorias com número reduzido de empregados”, afirma.
Da
maneira como foi configurada, a medida acabou gerando resultados
controversos em que a situação individual é que pontua ganhos ou perdas.
“Cada empresa tem que analisar e simular suas particularidades”,
pondera o contador Charles Tessmann, diretor-geral da Tessmann
Assessoria.
Como funciona?
Como funciona?
A substituição da
base folha pela base faturamento se aplica apenas à contribuição
patronal paga pelas empresas, equivalente a 20% de suas folhas
salariais. Todas as demais contribuições incidentes sobre a folha de
pagamento permanecerão inalteradas, inclusive o FGTS e a contribuição
dos próprios empregados para o Regime Geral da Previdência Social.
Ou
seja, se a empresa for abrangida pela mudança, continuará recolhendo a
contribuição dos seus empregados e as outras contribuições sociais
incidentes sobre a folha de pagamento (como seguro de acidente de
trabalho, salário-educação, FGTS e sistema S) da mesma forma que hoje –
apenas a parcela patronal deixará de ser calculada como proporção dos
salários e passará a ser calculada como proporção da receita bruta.
Quais são os setores e as alíquotas?
•Alíquota fixada em 1%
Têxtil
, confecções, couro e calçados, plásticos, material elétrico, bens de
capital – mecânico, ônibus, autopeças, naval, aéreo, móveis, indústria,
manutenção de aeronaves, transporte aéreo e marítimo (carga e
passageiros), comércio varejista, manutenção e reparo de embarcações,
carga e descarga em portos, transporte rodoviário, marítimo e
ferroviário de carga, agenciamento de navios, navegação de travessia,
infraestrutura portuária e empresa de jornalismo.
•Alíquota fixada em 2%
Tecnologia
da informação e comunicação (TI e TIC), hotéis, call center, design
houses (chips), transporte de passageiros (rodovia, ferrovia e metrô),
construção civil, informática (suporte técnico), pesquisa e manutenção
de equipamentos militares, construção de obras de infraestrutura,
empresas de engenharia e arquitetura e manutenção de máquinas e
equipamentos.
Enquadramento opcional solucionaria divergências
A
intenção de favorecer a competitividade entre as empresas nacionais e
reduzir custos, desonerando segmentos, teria sido mais assertiva se
contemplasse a possibilidade de escolha das companhias. Sendo
facultativa a adesão à medida, os grupos garantiram a redução de custo
proposta pela desoneração, avaliam especialistas.
“A intenção
de desonerar é boa, mas se fosse de boa intenção mesmo, deixaria
opcional para as empresas. Assim, ela se torna compulsória”, defende o
contador José Maria Chapina Alcazar. “Um dos artigos vetados pela
presidente Dilma Rousseff foi a opção das empresas em optar ou não pelo
modelo. Isso foi muito criticado, porque há empresas que faturam alto,
mas não utilizam um número elevado de colaboradores”, argumenta o
advogado Cristiano Xavier, sócio da Xavier Advogados.
Segundo
o diretor executivo da Confirp Consultoria Contábil, Richard Domingos,
as empresas beneficiadas pelo programa pararam de recolher os 20% sobre o
salário dos funcionários e a Contribuição Patronal Previdenciária
(CPP), por uma contribuição a partir de 1% sobre o faturamento.
Entretanto
o governo não previu que companhias com poucos funcionários tinham
anteriormente a tributação sobre a folha fosse reduzida, tendo uma
rentabilidade maior. Assim, ao pagar uma porcentagem sobre o
faturamento, esses valores ficam muito maiores, tornando o programa
desvantajoso. Isto também ocorre com empresas que terceirizam a
fabricação dos produtos”.
“Quando a gente vê um veto desse
tipo, no nosso entendimento, o governo está fazendo isso de forma
pensada”, sintetiza o advogado William Roberto Crestani, da Pinheiro
Neto Advogados. Acompanhando o mesmo entendimento, Alcazar complementa
salientando que, a para corresponder à intenção positiva, o governo
deveria considerar a possibilidade de tornar a medida facultativa.
Custo previdenciário reduzido ajuda a estimular formalização da mão de obra
Entre
os setores contemplados, no entanto, o impacto geral da desoneração tem
sido positivo, e os ganhos se estendem também à contratação de mão de
obra. Com custo previdenciário reduzido, as empresas têm contratado
mais, e as que adotavam mão de obra terceirizada formalizaram as
relações de trabalho, integrando parte da equipe ao regime CLT.
“A
decisão tem favorecido de uma maneira geral o setor, mas há casos
específicos em que a medida é indiferente ou prejudicial”, avalia o
presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados
(Abicalçados), Heitor Klein. “Em alguns casos, tenho observado
comentários de empresas que, em função da nova fórmula de arrecadação
patronal, beneficiou a maior contratação de pessoal pela Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). A medida como um todo é mais benéfica do que
prejudicial”, considera.
A área de tecnologia da informação
(TI) é outro segmento que revela vantagens com a medida. “A conta básica
que se tem que fazer, a mais elementar, é que, se você tem um peso de
mão de obra em proporção da receita da empresa da ordem de até 10%,
provavelmente não compensa estar na desoneração. Se você tem um peso de
mão de obra acima de 10% do faturamento da empresa (sem considerar
impostos), a partir daí é muitíssimo vantajoso entrar na desoneração”,
calcula o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de
Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Edmundo
Oliveiro.
O setor, segundo Oliveira, emprega muita mão de
obra, embora tenha presente também a terceirização e a figura da pessoa
jurídica, profissional contratado que, embora exerça função semelhante à
de um funcionário da empresa, é remunerado como autônomo, desobrigando a
companhia do pagamento de direitos garantidos pela CLT. “Somos a favor
da terceirização e da regulamentação da terceirização, mas essa era uma
má terceirização”, revela, ponderando que, se as empresas prejudicadas
se enquadram nesse perfil não merecem, realmente, benefícios.
Não há jurisprudência para empresas que se sentem prejudicadas pela medida
Ao
constatar prejuízos, companhias que se sentiram oneradas com a medida
têm buscado apoio jurídico para reverter a medida e voltar a recolher a
contribuição previdenciária patronal. A saída não garante reversão, e o
entendimento dos juízes tem sido diferente de acordo com o caso, destaca
o advogado Cristiano Xavier, sócio do Xavier Advogados.
“Eu
vi decisões bem antagônicas: juízes rechaçando e afirmando que a empresa
tem que se adaptar e não cabe discussão. Acompanhei outras em sentido
totalmente oposto, que dizem que, sendo um benefício tem que gerar
vantagens, realmente”, revela, destacando que as instâncias jurídicas
superiores ainda não tiveram oportunidade de emitir um parecer, fazendo
com que a situação fique sem jurisprudência legal e sem garantia de
ganho ou perda para quem se sente prejudicado.
Para o advogado
William Roberto Crestani, da Pinheiro Neto Advogados, a decisão
prejudica justamente as empresas que conseguem estruturar um modelo de
negócios mais competitivo.
“Algumas empresas, especialmente as
que são mais eficientes e conseguem faturar mais com custo de mão de
obra menor, não tiveram vantagens”, assegura. Entre as empresas que têm
sido assessoradas por Crestani, uma apurou aumento de R$ 6 milhões em
gastos a partir da inclusão no pacote de desonerações. “As empresas que
tiveram aumento têm duas opções: ou contratam mais empregados, ou
aumentam os custos do produto, que é o caso dessa empresa, que atua com
fertilizantes e produtos agrícolas”, menciona.
No entendimento
dos advogados da Pinheiro Neto, a lei tem que ser interpretada da forma
como foi pretendida quando foi elaborada. “Se ela não está atendendo à
finalidade, tem que ser ajustada para garantir os benefícios propostos”,
ressalta Crestani.
Uma das falhas da regra, menciona Xavier, é
que a desoneração é feita com base na classificação das atividades
econômicas do setor e não leva em consideração a quantidade de
colaboradores que as empresas têm. “O que faz valer a pena ou não é essa
equação”, afirma.
“Os empresários que se queixam estão
certos. Se você chama a lei de benefício, ela tem que gerar benefício
realmente. A crítica é muito bem fundada, e acho que o governo errou ao
não dar essa opção para as empresas”, opina Xavier.
Fonte: Matéria publicada no Jornal do Comércio RS - Caderno de Contabiliade
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