A pressa e a desatenção são inimigas da perfeição e muito amigas das
práticas abusivas. Muitos consumidores acabam gastando dinheiro à toa
com a cobrança de taxas indevidas em financiamentos, com a compra
forçada de certos produtos em vendas casadas, e mesmo com o pagamento de
multas – como pela perda de uma comanda em uma casa noturna -, prática
esta que poucos sabem ser ilegal.
Algumas dessas práticas se revelam verdadeiras armadilhas para os
consumidores mais avoados e podem ser tão bem maquiadas que nem os mais
cautelosos conseguem escapar. Veja abaixo cinco exemplos de técnicas
usadas por instituições financeiras e estabelecimentos comerciais que
são prejudiciais ao consumidor e podem ser contestadas em certos casos.
1. Ofertas com taxa zero de juro
Uma das armadilhas mais escrachadas, que é bastante recorrente na
venda de carros, é a propaganda da taxa de juro zero, uma velha tática
dos comerciantes para tentar atrair o cliente. Toda compra a prazo tem
juro, uma vez que a instituição financeira paga juros pela captação de
recursos no mercado e repassa esse custo para emprestar o dinheiro ao
consumidor. Por isso, mesmo que os juros estejam embutidos, eles sempre
estão presentes nos financiamentos. Para tirar a dúvida, basta comparar o
preço à vista com o preço total do financiamento.
Tatiana Viola de Queiroz, advogada da Associação Brasileira de Defesa
do Consumidor – Proteste, afirma que este tipo de prática é considerada
propaganda enganosa e, portanto, é condenada pelo Código de Defesa do
Consumidor. Ela explica que no momento da venda devem ser apresentadas
as taxas de juros cobradas no financiamento e o Custo Efetivo Total
(CET) do financiamento, percentual que inclui todas as tarifas, despesas
e tributos cobrados pela financeira anualmente. “O juro mensal pode até
ser zero, mas o financiamento sempre tem um custo e é importante que o
consumidor observe o CET e faça a comparação entre um banco e outro”,
recomenda Tatiana.
Rodrigo de Mesquita Pereira, especialista em relações de consumo e
sócio do escritório MPMAE Advogados, ressalta que o consumidor pode
exigir o cumprimento da oferta e tem chances de sair vencedor. “É a
mesma coisa que chegar ao supermercado e ter uma oferta de um sabão a 1
real e quando ele passa o produto no caixa está 1,20 real. O consumidor
pode exigir o pagamento pelo valor de 1 real porque sempre que há uma
oferta ela acaba obrigando o valor a se vincular a ela”, explica.
2. Títulos de capitalização
Muito bom para os bancos e péssimo para o bolso dos consumidores. Os
títulos de capitalização são vendidos muitas vezes como um tipo de
“investimento” que permite ao cliente guardar dinheiro de forma
programada e ao mesmo tempo concorrer a prêmios “incríveis”. No primeiro
momento parece fantástico, mas no resgate é uma verdadeira decepção.
Neste tipo de produto, o cliente faz depósitos mensais, sendo que no
primeiro mês uma boa parte do valor investido, algo como 90% (varia de
acordo com o banco), fica para o banco, enquanto apenas o restante será
rentabilizado a favor do cliente. Nos depósitos subsequentes uma taxa
menor é paga ao banco, mas ainda alta se comparada às taxas dos
“verdadeiros” investimentos. Além dos altos descontos feitos pelo banco,
os valores depositados têm rendimento igual ao da poupança (0,5% ou
menos ao mês, mais a Taxa Referencial) e no final do contrato, portanto,
o cliente resgata o dinheiro com rentabilidade quase nula.
“O título de capitalização é um jogo. O cliente coloca 1.000 reais
hoje e daqui a cinco anos ele resgata os mesmos 1.000 reais e ainda sai
perdendo por causa da inflação, que não é corrigida”, explica André
Massaro, especialista em finanças pessoais da Moneyfit e Trader
independente.
De acordo com Mesquita Pereira, se o banco deixar claras as regras no
momento da contratação do produto, o consumidor não pode reclamar das
cobranças depois. No entanto, ele enfatiza que as cláusulas do contrato
que são prejudiciais ao consumidor teriam que ser destacadas de alguma
forma. “Se estas informações estão inseridas em um contexto que não fica
claro para o consumidor, ele tem elementos pra reclamar”, diz.
3. Cobrança de taxas indevidas em financiamentos
Além de em muitos financiamentos o banco não explicar de forma clara
quais são as taxas embutidas no pagamento – o que já representa um
desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor-, muitos ainda cobram
taxas indevidas. Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), Gravame
eletrônico, taxa de registro de contrato, tarifa de avaliação de bens,
tarifa de boleto bancário, serviços de terceiros e seguro prestamista
são alguns exemplos.
“Estas taxas são ilegais, porque elas cobram um valor por um serviço
não prestado ou cobram duas vezes uma mesma coisa. No caso da TAC, por
exemplo, a verificação do crédito que o banco faz já é inerente ao
serviço, por isso não deve ser cobrada”, explica a advogada do Proteste.
Ela acrescenta que estas cobranças são um dos maiores alvos de
reclamação dos consumidores.
O banco só pode cobrar as prestações pelo valor financiado com juros e
o IOF, por isso, o cliente pode pedir que o banco retire as demais
cobranças, segundo Tatiana. E se o banco se negar a cancelá-las, o
consumidor pode enviar uma notificação ao Banco Central e, em último
caso, entrar com uma ação no tribunal de pequenas causas.
4. Venda casada
As vendas casadas ocorrem quando o cliente compra um produto ou
contrata um serviço e é obrigado a pagar por um segundo produto ou
serviço. O caso mais clássico ocorre durante a contratação de
empréstimos. O banco, sabendo que o cliente necessita da liberação
daquele crédito, aproveita a oportunidade para vender o produto apenas
com a condição de que o cliente compre um seguro, ou contrate um outro
serviço do banco.
Segundo a Proteste, muitos outros exemplos podem ser enquadrados como
venda casada, tais como: concessionárias de veículos que obrigam a
contratação de seguro automóvel de uma empresa própria ou parceira;
agências de viagem que condicionam a liberação de cheques de viagem
usados no exterior à contratação de seguro; provedores de internet que
oferecem conexão rápida apenas se for contratado um segundo provedor de
acesso; venda de materiais de informática que obrigam a compra conjunta
de um equipamento do programa; empresas de linhas telefônicas e TV por
assinatura que impõem a contratação de serivços de telefone, TV e
internet em conjunto, alegando que não são oferecidos de forma
independente; e escolas que exigem exclusividade para compra de material
escolar.
Um exemplo curioso, também apontado pela instituição são os cinemas
que permitem em suas salas de exibição apenas o consumo de alimentos
vendidos pela rede da empresa. É o mesmo caso das casas de shows que
vendem comes e bebes e que não permitem que os espectadores entrem com
bebidas e alimentos vendidos fora do local. Funciona como uma venda
casada às avessas, pois força o consumidor a comprar os produtos
vendidos no local.
Novamente, se o consumidor se sentir lesado, ele pode fazer uma
reclamação à empresa e, se não tiver sucesso, pode recorrer a órgãos de
defesa ao consumidor ou até mesmo entrar com um processo judicial contra
a instituição.
5. Multa aplicada em caso de perda de tíquetes e comandas
Não raro, casas noturnas cobram o consumidor pela perda de comandas e
as multas são altíssimas, facilmente superando a casa dos 100 reais. O
mesmo ocorre com estacionamentos, que cobram pela perda do tíquete o
valor de uma diária.
Como a cobrança é frequente, muitos consumidores acabam pagando sem
questionar, mas a prática é ilegal. O controle do consumo dos clientes
deve ser de responsabilidade não só dos consumidores, mas também do
estabelecimento.
Além disso, conforme explica o advogado especialista em direitos do
consumidor, muitas vezes o cliente não é informado sobre a cobrança no
caso de perda, e a omissão de informações pode ser considerada uma
infração, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. “A cobrança
deve ser informada antes de o consumidor fazer a opção de compra, porque
isso vai influenciar a compra dele. Não adianta estar explicado no
cartão, porque a informação fica perdida no próprio instrumento”.
O advogado lembra de um caso no qual um consumidor teve que pagar 80
reais após perder um cartão de estacionamento em um shopping e, após
recorrer à Justiça, teve o valor devolvido em dobro, além de receber uma
indenização por danos morais no valor de 1.000 reais.
Fonte:
Exame
Matéria divulgada no site Jornal Contábil
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