A Receita Federal, indevidamente, tenta burlar uma decisão transitada em
julgado, desrespeitando uma garantia prevista na Constituição
A Justiça Federal em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro,
impediu a Fazenda Nacional de cobrar PIS e Cofins de uma empresa que
obteve decisão judicial definitiva para não recolher as contribuições
sociais. A determinação é mais um capítulo de uma longa discussão
judicial entre o Fisco e as sociedades de profissionais liberais, que
lutam há quase duas décadas pela isenção dos tributos.
A Fazenda começou a cobrar os contribuintes com decisões transitadas
em julgado depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) entender que a
Lei Complementar nº 70, de 1991, que isentava das contribuições clínicas
médicas e escritórios de advocacia, poderia ser revogada por uma lei
ordinária – a Lei nº 9.430, de 1996. Um pedido de modulação dos efeitos
dessa decisão, no entanto, ainda não foi analisado pelos ministros.
O entendimento foi proferido pelo STF em setembro de 2008. Àquela
altura, diversas empresas já tinham decisões definitivas contrárias à
cobrança. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, já tinha se posicionado de forma favorável aos contribuintes, chegando a editar uma súmula sobre o assunto.
A Rad Med Diagnóstico por Imagem, autora do pedido analisada pela
Justiça Federal em Campos, foi uma delas. Com decisão transitada em
julgado em 2005, foi intimada, cinco anos depois, a pagar supostos
débitos de PIS e Cofins. Segundo o advogado Gilberto Fraga, do
escritório Barbosa, Müssnich amp; Aragão Advogados, que defende a
empresa, a Fazenda não levou o caso ao Supremo e não ajuizou ação
rescisória. O pedido de compensação dos valores recolhidos antes da
decisão definitiva já havia sido até homologado pela Receita, diz.
Ao analisar o caso, o juiz Tiago Pereira Macaciel, da 2ª Vara Federal
de Campos dos Goytacazes, cancelou a cobrança. A viragem
jurisprudencial originada das decisões do STF não tem o condão de sustar
os efeitos do título executivo judicial, afirma na decisão. A
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu. Procurada
pelo Valor, o órgão não deu retorno até o fechamento da edição.
No processo, a União sustenta que não descumpriu decisão judicial
transitada em julgado. Afirma que alterações na legislação do PIS e da
Cofins teriam confirmado a revogação da isenção e, por isso,
justificariam a cobrança retroativa. As empresas contestam. Isso porque
um dispositivo na Lei nº 9.718, de 1998, que aumentava a base de cálculo
das contribuições, foi considerado inconstitucional pelo Supremo. Além
disso, uma outra norma – Lei nº 10.833, de 2003 -, alterou a cobrança
apenas para os contribuintes que apuram o Imposto de Renda pelo lucro
real. No entanto, a Rad Med faz apuração pelo lucro presumido.
Os contribuintes alegam ainda que, por meio do Parecer nº 492, 30 de
março de 2011, a PGFN protegeu as decisões transitadas em julgado até
aquela data. Os procuradores estão desrespeitando a orientação, diz
Gilberto Fraga. No mesmo documento, a procuradoria afirma que pode
voltar a cobrar tributos de decisões definitivas a partir da declaração
de inconstitucionalidade pelo Supremo.
Mas o juiz de Campos afastou o parecer ao seguir posicionamento do
STJ. Em 2010, a Corte decidiu, em sede de recurso repetitivo, que o
artigo 741 do Código de Processo Civil deve ser interpretado de forma
restrita. Pela norma, decisões finalizadas com base em lei declarada
inconstitucional não precisariam ser cumpridas. No caso da Cofins das
sociedades civis, porém, o juiz Tiago Pereira Macaciel entendeu que o
Supremo não declarou a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de
norma, apenas validou a revogação da isenção.
Para tributaristas, o caso da Red Med é um exemplo das tentativas de
flexibilização da chamada coisa julgada. A Receita Federal,
indevidamente, tenta burlar uma decisão transitada em julgado,
desrespeitando uma garantia prevista na Constituição Federal, afirma o
tributarista Fabio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
Bancos com decisões definitivas também estariam sofrendo cobranças,
que chegam a milhões de reais, segundo o advogado Vinícius Branco, do
Levy amp; Salomão Advogados.
A Fazenda quer, no grito, tentar mudar a
coisa julgada, diz. Apesar de o STF ainda não ter definido se as
receitas financeiras das instituições financeiras devem ser tributadas, o
Fisco estaria ajuizando execuções fiscais contra os contribuintes.
Sinto pouca disposição de juízes para confirmar o trânsito em julgado, o
que resulta na exigência de depósitos judiciais milionários, afirma
Branco.
Fonte: Blog Tributo e Direito
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