Por Roberto Dias Duarte
Definir nossa realidade tributária com base apenas na carga
excessiva, atualmente na faixa dos 35% do PIB, chega a ser uma análise
simplista, muitas vezes com viés emocional. Menospreza o fato, por
exemplo, de estar diminuindo a produção de bens e serviços não reportada
ao governo, com o intuito de sonegar impostos, evadir contribuições à
seguridade social, descumprir leis trabalhistas e evitar outros custos
inerentes à formalidade.
Toda essa economia subterrânea, que chegou a representar 21% da
produção nacional em 2003, atualmente se situa na faixa dos 18%, segundo
estudos da FGV. Mesmo assim, ainda convivemos com um por fora do
tamanho da Argentina, o que nos mantém bem acima da média mundial,
estimada em 10%.
No geral, porém, a Receita Federal do Brasil (RFB), responsável pela
gestão de mais de 80% do tributos aqui arrecadados, tem sido considerada
uma instituição exemplar em planejamento e administração.
O órgão federal não mede esforços para cumprir seu plano estratégico
de aproximar a arrecadação efetiva da potencial. Prova disso é o Sistema
Público de Escrituração Digital (Sped), hoje uma referência para outros
países em virtude de suas características e resultados.
Na prática, o Sped age aumentando gigantescamente a percepção de
risco dos contribuintes, uma vez que todas as informações empresariais
são transmitidas eletronicamente ao Fisco no tocante a cadastro de
clientes, fornecedores e produtos; documentos fiscais de compra e venda;
apuração tributária, inventário e, em um futuro bem próximo, também na
esfera trabalhista.
Gigantescos também são os números em torno dele. A NF-e, por exemplo,
uma de suas vertentes principais, teve início em 2005 e já abrange 800
mil empresas emissoras e milhões de receptoras.
Amargamos o maior custo de conformidade fiscal e tributária
Criado em 2006, por sua vez, o Sped Fiscal incluirá até 2014 todos os
contribuintes de ICMS e/ou IPI, cerca de 1,5 milhão de empresas. Após
esta data, há fortes indícios de que mais quatro milhões de optantes
pelo Simples Nacional entrarão no projeto. O Sped Contábil, por sua vez,
absorveu cerca de 150 mil empresas nessa escrituração digital, desde
2007.
O festival de siglas inclui ainda CT-e (Conhecimento de Transporte
Eletrônico), que inicia o cronograma de obrigatoriedade nacional em 2012
e já conta com mais de oito mil empresas de transporte de cargas
participando do projeto e o Fcont (Controle Fiscal Contábil de
Transição), modelo de escrituração para apontar diferenças entre um
padrão vigente e outro revogado, tornando-se uma anomalia jurídica,
fiscal e contábil, para dizer o mínimo.
Já a EFD-Contribuições, originalmente denominada EFD-PIS/Cofins,
abarcou em tempo recorde 150 mil pessoas jurídicas sujeitas à tributação
com base no lucro real e incluirá também em 2012, caso não haja
adiamento, outras 1,5 milhão de empresas do lucro presumido. Ou seja, em
um prazo alucinante, pequenas empresas contábeis foram igualmente
tragadas pelo Sped.
Em 2013, entra em cena a EFD-Social, cujo objetivo é instituir uma
versão digital da folha de pagamento e outras informações fiscais,
previdenciárias e trabalhistas. Com a novidade, espera-se outro aumento
expressivo da base de arrecadação, considerando-se estimativas da
própria RFB: aproximadamente 30% dos trabalhadores autônomos e
empregados domésticos se encontram na mais absoluta informalidade.
Enfim, muito do que antes era um eterno arquivo morto em papel,
armazenado até mesmo em Kombis incendiárias, agora transita pela
sofisticada nuvem fiscal digital.
A questão, porém, é a eficiência desse modelo. Afinal, a que custo
rumamos para indicadores de formalização compatíveis aos das nações
desenvolvidas
Com 33 alterações em normas tributárias por dia, segundo o Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o que a maioria das
empresas vivencia é um verdadeiro terrorismo fiscal.
Em meio a regras tão instáveis, complexas e antagônicas, amargamos o
maior custo de conformidade fiscal e tributária em um ranking de 183
países, conforme estudo do Banco Mundial.
Nada de se estranhar frente a 27 legislações normatizando os tributos
estaduais e cerca de 5.565 fazendo o mesmo nos municípios, sem contar
as leis federais, muitas vezes contraditórias ao regulamentar dezenas de
impostos e contribuições.
Para complicar ainda mais, decretos, portarias, instruções normativas
e outros dispositivos infralegais promovem uma autêntica ditadura
tributária, patrocinada por regras surgidas ao sabor de canetadas e
frequentemente travestidas com o manto sagrado do benefício.
Dessa forma, a incrível competência em controle e arrecadação de
tributos acabou gerando um intricado paradoxo: nossa competitividade é
muito mais prejudicada pela ineficiência do sistema tributário do que
propriamente favorecida por sua comprovada eficácia.
Bom mesmo seria se as nossas autoridades compreendessem que a
simplicidade é o último degrau da sabedoria. Ao aplicar esta máxima de
Khalil Gibran ao sistema tributário brasileiro, teríamos a união de
eficácia com a eficiência, potencializando assim o empreendedorismo
naquele que já é o país da transparência, pelo menos no mundo
empresarial.
Roberto Dias Duarte é administrador de empresas com MBA pelo Ibmec
Fonte:
Valor
Matéria publicada no site Jornal Contábil
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