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quarta-feira, 19 de março de 2014

Captação de recursos exige estratégia e conhecimento

Adriana Lampert

ANTONIO PAZ/JC
Dedé considera importante pesquisar para saber o melhor caminho para cada projeto
Dedé considera importante
pesquisar p/saber o melhor
caminho para cada projeto
Mesmo que tenha evoluído de um patamar quase amador para assumidamente empresarial nos últimos 20 anos, o mercado do entretenimento ainda apresenta um cenário bastante desafiador para quem quer viver de arte no Brasil. Alavancado pelo aquecimento da economia, que tem levado mais espectadores a festivais de teatro, música, literatura, cinema, entre outros eventos culturais, o setor também ganhou força com o surgimento das leis de incentivo (em âmbito municipal, estadual e federal), que passaram a ser uma ferramenta importante quando o assunto é captar recursos para a execução dos projetos. 

No entanto, vender uma ideia para corporações dos mais variados ramos requer mais do que talento artístico: “exige conhecimento e capacidade estratégica”, resume a diretora da Liga Produção Cultural, Dedé Ribeiro, que é especialista em políticas e desenvolvimento de projetos culturais.

Se houvesse uma fórmula de sucesso, a diretora da Liga diria que a criatividade associada a uma farta rede de informações e a um caminho criteriosamente trilhado em busca de marcas que se enquadrem com a proposta cultural em questão, seria a alternativa mais adequada para atrair a atenção de patrocinadores em potencial. Mas, antes de bater na porta do empresário interessado em investir no mercado de entretenimento, também é preciso, na maioria das vezes, passar pelo crivo do poder público. Isso porque, hoje em dia, é quase impossível, segundo Dedé, executar qualquer projeto cultural sem o respaldo de uma lei de incentivo fiscal destinada ao setor. E somente os que conseguem conquistar o aval do governo se tornam aptos a pescar o mecenato e oferecer ao patrocinador contrapartida vantajosa, que é a soma de ampla divulgação na mídia e isenção de impostos. 

 “As empresas se desacostumaram a colocar dinheiro próprio nos projetos. Os grandes eventos que ocorrem na capital gaúcha – como Feira do Livro, Bienal e Porto Alegre em Cena, por exemplo – utilizam desses recursos”, destaca a especialista. Ela se refere aos sistemas oficiais que permitem às empresas a utilização de verba de algum imposto, ou parte dele, para patrocinar realizações culturais. Em vista disso, todo ano, é grande o número de produtores que garimpam recursos via leis de incentivo no Brasil. E, quando o assunto é buscar verba para a execução, mesmo os projetos conhecidos do público por estarem consolidados – com tempo significativo de realização no mercado cultural – precisam iniciar do zero. “É uma luta que se trava ano a ano. O convencimento do patrocinador é sempre árduo, difícil, uma verdadeira batalha”, admite o coordenador-geral do Festival Internacional de Artes Cênicas — Porto Alegre em Cena, Luciano Alabarse. 

Para vencer o desafio, Alabarse, que tem larga experiência no ramo, segue uma das regras básicas da tarefa do captador de recursos: analisa os critérios de interesse das empresas e seus nichos definidos para investimento em marketing.

“Buscamos sempre os patrocinadores cujo perfil das marcas esteja associado de alguma forma ao evento”, comenta ele. Ainda é preciso atentar ao que dizem as entrelinhas dos editais abertos por companhias privadas, que usam leis de incentivo, a fim de selecionar projetos, bem como os de fundos públicos destinados à cultura, que se utilizam de recursos diretos dos governos para contemplar trabalhos menores. “Caso contrário, se perderá tempo realizando projetos que não irão dar certo por não se adequarem ao que é exigido nesses editais, que, além de tudo, abrem e fecham com muita rapidez”, adverte Dedé.

Busca por qualificação é resultado de evolução do mercado

 

Estudar as leis, os editais e outras dezenas de formas possíveis de se captar recursos para um projeto cultural é uma obrigação para o empreendedor do mercado de entretenimento. A gama é grande, e vai desde vender a ideia aos departamentos de marketing das empresas (sem o incentivo fiscal), até angariar fundos em comunidades de financiamentos coletivos. “Depois de conhecer, é preciso ter discernimento para entender qual desses caminhos funciona melhor para o projeto almejado”, aponta a especialista em políticas e desenvolvimento de projetos culturais Dedé Ribeiro. “É preciso pesquisar o que foi aprovado em editais passados para saber que tipo de trabalho esses meios procuram apoiar”, aconselha a produtora, que costuma dar aulas para novatos – ou não – que ambicionam sua fatia do bolo de dinheiro distribuído anualmente pelos patrocinadores.

A busca por capacitação é resultado da evolução do mercado. “Antes, se pegava um projeto e se tentava fazer algo que se adaptasse a um público que tivesse condição de adquirir um plano cultural. Hoje, se tem público para qualquer coisa, em qualquer lugar, basta usar a estratégia certa. O bom produtor é um estrategista, deixou de ser um burocrata”, avalia Dedé. A especialista resume que, no caso das leis de incentivo, o proponente que entregar a documentação completa exigida nos editais, além de um projeto adequado e coerente, tem boa chance de conseguir a aprovação dos governos para depois sair a captar recursos junto aos interessados em abater dinheiro de impostos em projetos que garantam mídia associada à isenção de tributos. “Aí é que são outros 500”, adverte. 

Atualmente, Porto Alegre não possui ativa nenhuma lei de incentivo ao setor, já o Estado transformou, em 2010, a antiga LIC (Lei 10.846) no atual sistema Pró-Cultura (Lei 13.490), que oferece isenção de ICMS ao empresário patrocinador. “Há alguns anos, muitos produtores se afastaram da LIC, devido a uma série de problemas”, explica a diretora de Economia da Cultura da Secretária de Estado da Cultura (Sedac), Denise Viana Pereira.

Estado destina R$ 50 milhões por ano

 

Cerca de R$ 50 milhões têm sido injetados anualmente em projetos culturais no Estado, somente via sistema Pró-cultura da Secretária de Estado da Cultura (Sedac). A maior parte (R$ 35 milhões) é dinheiro de ICMS, que o governo abre mão para incentivar o setor, o restante é verba do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). “Em breve, ainda teremos outro mecanismo, que será chamado de Ações Especiais, unindo dinheiro de incentivo fiscal e do fundo”, anuncia a diretora de Economia da Cultura da pasta, Denise Viana Pereira. Segundo ela, a média de sucesso na captação de recursos de quem utiliza o Pró-cultura é de 56,33%, contra 25% do total de projetos que conseguem fisgar patrocinadores via Lei Rouanet (do Ministério da Cultura — Minc).

“É fácil conseguir aprovação para captar via Lei Rouanet, no entanto, são poucas as empresas no Estado baseadas em declaração do Imposto de Renda com lucro real (exigência no caso desta legislação, na qual a verba captada deve provir do IR dos financiadores, sendo que o teto é de 7% para pessoa jurídica e 4% para pessoa física)”, comenta a gestora. “Afunila ainda mais quando todos os grandes festivais e feiras disputam esses recursos”, completa a produtora Dedé Ribeiro.

Já o Pró-cultura, que possibilita que empresas de diversos portes injetem dinheiro no setor, tem um empecilho diferente, que passa pela habilitação do projeto para a captação. “Nem todos são aprovados”, afirma Denise. Segundo ela, a triagem dos trabalhos inicia na análise técnica de conformidade de preços, informações, mérito, entre outras, para depois passar pelo crivo do Conselho Estadual de Cultura, formado por 24 pessoas, a maioria da sociedade civil, que recomendam, ou não, a aprovação, feita pelo titular da Sedac e publicada no Diário Oficial. O tempo médio do trâmite é de 60 dias. Já a Lei Rouanet é mais rápida. O retorno é em 2,5 meses. Também a avaliação é mais genérica, segundo Denise.

Crise internacional também afeta a cultura

 

Somando 20 anos de existência, o Porto Alegre em Cena contou com apoio de leis estadual e federal para garantir a adesão de grandes empresas, como a Caixa Econômica Federal, Zaffari e Panvel, entre outras, que injetaram dinheiro dos impostos no projeto de 2013, juntamente com nomes de peso como Braskem e Petrobras, essas últimas via patrocínio direto. Mesmo assim, o evento do ano passado precisou enxugar quase pela metade o número de espetáculos porque captou pouco mais de R$ 3 milhões em recursos, uma defasagem significativa em relação a 2012 (R$ 4,5 milhões), que já tinha sido pior que 2011 (R$ 5,8 milhões). “Todos os grandes festivais de teatro do País – incluindo os de Curitiba, Recife e Belo Horizonte – têm se deparado com uma mudança de realidade de portes no valor de captação”, defende o coordenador-geral do evento, Luciano Alabarse. “Isso é efeito da crise global financeira. Os cortes das empresas nos momentos de crise sempre iniciam na cultura, que ainda é considerada como supérflua. Neste sentido, já estamos calejados.”

À frente da organização do Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa), o professor de marketing João Pedro Fleck tem outra visão do problema. “Se contarmos apenas os festivais de cinema, são 377 ativos no Brasil. Ou seja, em um ano, ocorre mais de um evento desses por dia. Não existe dinheiro que possa suportar isso.” Fleck admite que, se dependesse do Fantaspoa para viver, teria de desistir do projeto, que se mantém há uma década e se tornou o maior evento cinematográfico da Capital e o maior de cinema fantástico da América Latina. “É quase impossível viver de Cultura no Brasil”, reclama o organizador, ponderando que, somente quando um nome se consagra na mídia, a coisa muda de figura. “Mais da metade dos cineastas que conheço precisa trabalhar em outras atividades para realizar os projetos pessoais.”

Há grande disparidade entre artistas renomados, mas que a obra não dá retorno financeiro, e aqueles que apelam comercialmente, emenda Fleck. “Se pensar em um mercado de massa, há coisas que são muito consumidas”, complementa o professor. “Isso explica por que as empresas preferem patrocinar os nomes que a maior parte da população conhece, mesmo que a qualidade do projeto seja medíocre”, dispara. 

“As grandes corporações preferem investir em eventos que tenham retorno pesado de mídia”, concorda a assessora cultural Bebê Baumgarten, que integra equipes dos principais eventos do setor em Porto Alegre. “Com a Copa do Mundo ocorrendo no Brasil, tudo ficou bem mais difícil, porque muitos departamentos de marketing optaram por investir em eventos esportivos nos quais a visibilidade da marca é maior, mesmo que, para isso, precisem desembolsar 50 vezes mais.” Bebê conta que tem acompanhado a dificuldade dos organizadores de diversos festivais e feiras culturais já desde o ano passado. “Foi muito complicado para captar recursos, e acredito que, neste ano, vai ser ainda pior.”

Editais privados permitem equilíbrio no processo

 

MARCOS NAGELSTEIN/JC
Vargas destaca a importância de ter programas estruturados para pôr fim às negociações amadoras
Quando o assunto é patrocinar cultura, as companhias privadas têm duas formas de escolher para quem vão repassar dinheiro. Uma é simplesmente optar pelo trabalho que simpatizam mais, outra é abrir um edital público, utilizando ou não as leis de incentivo. “Esse é um processo que deixa transparente o critério de escolha de onde será inserido o dinheiro de impostos abatidos”, opina a produtora Dedé Ribeiro. Nesse rol, estão Petrobras, Natura, Votorantim, Oi e os Correios, para citar algumas. 

Um exemplo é o programa Oi Futuro, um dos maiores patrocinadores privados da cultura brasileira, valendo-se de edital público anual. “A ideia é selecionar projetos que valorizam a convergência entre arte e tecnologia, pautados pela diversidade artística, pela democratização do acesso às diferentes camadas da população e pelo fomento ao desenvolvimento econômico do setor”, afirma o diretor de Cultura da empresa, Roberto Guimarães.

Desde 2001, a Oi já destinou R$ 340 milhões, viabilizando cerca de 1,8 mil projetos culturais, por meio de leis de incentivo. Entre os já contemplados estão grandes nomes das artes visuais contemporâneas, como Daniel Senise e Adriana Varejão. Nas artes cênicas, o espetáculo Krum, com a atriz Renata Sorrah, uma a adaptação para os palcos do filme Depois do Ensaio, de Ingmar Bergman; e a montagem de O Homem Elefante. “Este ano, na música, a novidade fica por conta dos projetos Polos, que vai combinar a produção de videoclipes inéditos a uma série de shows de artistas que estão despontando na cena nacional, além do projeto Vozes do Brasil, que vai reunir dez shows-encontros com artistas como Arnaldo Antunes e Pélico, Pato Fu e Tulipa Ruiz, Zélia Duncan e Marcelo Jeneci, entre outros”, destaca Guimarães.

No Estado, um dos projetos que tem seguido em frente graças a patrocínios como o da Oi Futuro, é o Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre, coordenado pelo produtor, ator e diretor Alexandre Vargas. “Esta via é a de melhor funcionamento no meu aval, porque se sabe quando se é aprovado e quando sai o resultado”, diz. “Quando as empresas não têm isso estruturado, entra a negociação amadora do amigo do amigo que te indica. É ruim, não tem estrutura, calendário, cronograma. Tem que contar com a sorte dessas influências”, desabafa o produtor, destacando que isso não é raro de acontecer. “Mas as estatais do governo federal, na grande maioria, vêm estruturando esses programas, e isso é muito bom.”

Vargas observa que é importante para a gestão cultural ter diversidade nas fontes de financiamento para garantir a sustentabilidade do projeto. “Tem que buscar no mercado o que estiver disponível, fazer um mix de patrocínios com recursos diretos, convênios, editais, leis de incentivo, entre outros”, ensina. Foi assim que o Festival de Teatro de Rua captou R$ 500 mil em 2013. O montante é a soma de recursos da Petrobras (Pró-cultura), Eletrobras (Lei Rouanet), Oi (Pró-cultura) e CEF (edital com recursos diretos). “A ideia inicial era realizar 23 espetáculos, mas tivemos que diminuir para 19 peças, devido ao orçamento. Isso é muito comum de acontecer. Se faz uma programação, depois tem que adequar conforme o que se conseguir captar de verba.”

Também o Fantaspoa, cujo orçamento beira os R$ 300 mil, foi beneficiado pelo edital da Petrobras. “Captar recursos é muito difícil, por isso o apoio desta companhia nos é precioso”, declara o organizador do festival de cinema fantástico, João Pedro Fleck. Antes de conquistar o patrocínio – que se mantém desde 2011, vinculado ao MINC –, o Fantaspoa recebeu apoio financeiro também dos Correios em 2010. Nos seis anos anteriores, sobreviveu apenas de bilheteria, enquanto tentava encontrar um mecenas. Concorreu quatro vezes ao Fumproarte, mas nunca foi contemplado. O projeto também foi aprovado duas vezes pelo Pró-cultura, e cinco vezes pela Lei Rouanet, mas nenhuma destas ocasiões conseguiu patrocinadores. “Isso acontece com quase todo mundo. Apenas cerca de 5% dos produtores consegue captar verba com leis de incentivo, porque é bem difícil alcançar o mínimo de 20% exigido.” “Sem dúvida, trabalhar com busca de patrocínio cultural é um árduo caminho”, admite a diretora de Economia da Cultura da Sedac, Denise Viana Pereira.

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