Realização pessoal e autonomia estão no foco de pessoas que decidem, no início da vida profissional, ter sua própria empresa
Roberta Mello
Eles têm segurança
para arriscar, lembram vagamente o que é inflação, cresceram em meio às
mais importantes inovações tecnológicas e em um mundo já cheio de
mudanças sociais e entram no mercado sem a intenção de serem
subordinados, mas de criar seus próprios negócios. São os jovens que
lideram o ranking de empreendedores iniciais no Brasil, deixando de lado
empregos vistos como ideais durante muito tempo — seguros e estáveis,
em concursos públicos ou com carteira assinada — para investir em
projetos com foco em maior qualidade de vida e realização profissional.
Conforme
a pesquisa Global Entrepeneurship Monitor (GEM) 2013, realizada pelo
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em
parceria com o Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP),
a faixa etária na qual se observa a maior frequência de empreendedores
iniciais é a de 25 a 34 anos (21,9%). Aqueles entre 18 e 24 anos também
têm papel importante no ranking e foram responsáveis pela criação de
16,2% das empresas no País no passado.
A faixa
etária classificada como juventude é razoavelmente subjetiva. A
Organização das Nações Unidas (ONU) entende por jovens aqueles entre 15 e
24 anos. Já o Estatuto da Juventude brasileiro encara como população
jovem indivíduos entre 15 e 29 anos. Fato é que a chamada Geração Y –
pessoas nascidas a partir de 1978 até o final dos anos 1990 –, vista
como individualista e comodista, vem mostrando que tem outros lados.
Preocupados
com a felicidade e interessados em colocar à prova os empregos
tradicionais, eles desenvolvem projetos inovadores e afirmam que, mais
importante do que se preparar para o futuro, é agir, agora. “Os jovens
dessa geração realmente são focados em seus valores pessoais e priorizam
o que é mais importante para si, mas isso não é algo negativo. Eles
privilegiam mais do que a segurança e querem qualidade de vida”, afirma o
psicólogo e coordenador do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE) da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Marco Antônio
Teixeira.
Teixeira alerta que é uma tendência os
jovens desenvolverem carreiras com grande mobilidade e autonomia.
Exigentes, mudam constantemente de trabalho e projetos e são pessoas
realmente menos apegadas às organizações do que seus pais e avós,
explica o psicólogo. “É difícil generalizar, mas essa geração cresceu em
famílias mais tolerantes, logo, é mais crítica à postura organizacional
tradicional, não tem medo de questionar e não gosta de desempenhar
trabalhos repetitivos e que não lhe realizem”, resume.
A
solução encontrada por muitos para se desenvolver de acordo com seus
anseios é criar o próprio modelo de negócio, com gestão focada naquilo
em que acreditam. Por isso, não se surpreenda ao chegar a uma reunião de
negócios e dar de cara com uma jovem recém-formada dona de uma startup
de tecnologia ou jantar uma pizza feita por dois cabeludos cheios de
talento e atitude.
Negócios estão ligados ao estilo de vida
Lacerda é um dos sócios da Pizza Sessions, que busca a alimentação saudável.
Foto Gilmar Luis/JC
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Amigos
de longa data, Guilherme Lacerda e Fábio Pradella largaram empregos
estáveis para empreender. Juntos desde a primeira série, os dois têm em
comum mais do que o desejo por uma agenda flexível: a busca por
disseminar hábitos de vida mais saudável, a começar pela alimentação.
Guilherme
conta que estava descontente com o ritmo frenético de trabalho em uma
multinacional e que Fábio vivia um conflito ético ao trabalhar em um
comércio de carnes enquanto mantinha uma dieta vegetariana. Eis que,
despretensiosamente, surge o Pizza Sessions, unindo o gosto de ambos
pela culinária, principalmente vegetariana.
Cientes
da conexão entre as atitudes individuais no mundo, os jovens buscam
aliar aquilo que desenvolvem profissionalmente com o estilo de vida fora
do ambiente organizacional. A dupla oferece aos consumidores aquilo que
gostaria de comer e preza pela qualidade dos ingredientes, plantando
muitos deles e desenvolvendo outros tantos (como o queijo de amêndoas,
cream cheese de castanhas de caju e doce de leite de coco, todos sem
lactose). A pequena horta orgânica é mantida nos fundos da Casa
Liberdade, um espaço de coworking e convivência destinado aos
interessados em empreender, de onde devem sair até a metade do ano.
O
sucesso do Pizza Sessions fez com que a cozinha do local ficasse
pequena tamanha a demanda. Por isso, os meninos planejam migrar para um
restaurante próprio ainda neste ano, com cozinha colaborativa aberta a
novos cheffs. “Queremos dar espaço para quem está começando e, quem
sabe, replicar o modelo da Casa Liberdade focando gastronomia”, diz
Guilherme.
No entanto, nem sempre foi assim, por
isso Guilherme indica a criação de um “colchão financeiro” capaz de dar
certa segurança aos jovens empreendedores enquanto arriscam. “Além
disso, sempre guardamos 20% do caixa para qualquer imprevisto ou para
reinvestir no negócio. Não dá só para dividir todo o lucro por dois”,
indica.
As redes sociais foram cruciais para o
desenvolvimento do empreendimento, servindo para a qualificação
profissional, divulgação dos eventos, cursos e outras ações e para
compartilhar receitas e iniciativas ligadas ao estilo do Pizza Sessions.
Com farinha e carinho, eles prometem ir longe.
Projetos inovadores e pioneiros viram oportunidade de renda
Greta é criadora de uma das primeiras empresas de vídeoweb do Brasil.
Fotos Antônio Paz/JC
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Recém-formada
em Jornalismo, pode-se dizer que Greta Paz nasceu empreendedora e soube
desenvolver esse talento com o passar do tempo, em parte graças à
influência da família e muito por causa de sua força de vontade.
Criadora de uma das primeiras empresas especializada em vídeoweb do
Brasil, a MPQuatro, Greta decidiu investir em um projeto simples, mas
inovador. Com menos de um ano, a novidade atrai empresas de todos os
tamanhos interessadas em tirar proveito de um meio que cresceu junto com
a sua geração: a internet.
Com o perfil exato dos
novos empreendedores, a jovem inquieta mantinha um blog antes mesmo de
ingressar na Faculdade de Comunicação (Famecos) da Pucrs. Com pressa,
outro adjetivo usado para qualificar os “Y”, antes de sair da
universidade, já estava com a sua microempresa a todo vapor e com
clientes fixos.
Vendo uma oportunidade de negócio
em tudo, mesmo o intercâmbio na Austrália com o namorado, cujo foco
inicial era imergir em uma cultura diferente e trabalhar para bancar um
passeio pela Europa, virou uma oportunidade de mostrar seu trabalho. A
ideia da viagem veio acompanhada de um projeto de vídeos gravados pelos
dois mostrando seu cotidiano no país, o programete virtual Bem Longe de
Casa, comprado na hora por um veículo de comunicação.
A
jovem é a prova de que as novas tecnologias trazem consigo grandes
oportunidades a quem busca assumir o papel de criar suas experiências.
“Sempre quis empreender, mesmo sem saber qual o caminho para isso. Só
precisava encontrar um nicho ligado ao que eu gostava”, explica. E foi
assim que, ao lado do sócio Miguel Luz, - formado em Cinema -, surgiu a
ideia de trabalhar com material audiovisual profissional pensado para a
web, principalmente para o YouTube.
Os vídeos
produzidos pela MPQuatro têm o objetivo de apresentar as organizações em
um curto espaço de tempo e com baixo custo. A microempresa já tem
clientes fixo, um portfólio robusto e se mantém com o próprio capital.
Planejamento é palavra de ordem
Luana se dedicou muito para preparar o lançamento da Sopro Conteúdo |
Após
cinco anos de experiência com empregos formais, Luana Fuentefria
arriscou ao abrir mão da vida que levava para viajar em busca de novos
caminhos profissionais. No exterior, entrou em contato com outros
modelos de trabalho dentro da área escolhida, a Comunicação, e voltou ao
Brasil a fim de adaptar o modelo visto em outros países ao lugar onde
se sente mais segura e livre.
De volta a Porto
Alegre, Luana conheceu o local que daria o grande empurrão rumo a uma
nova carreira: a Casa Liberdade. Até participar das conversas e oficinas
mediadas por profissionais de diferentes formações que vão até lá para
dividir o conhecimento, ela acreditava que tinha de se jogar em um
negócio para depois avaliar se a ideia seria aceita, ideia que ficou
para trás. “Muitos empreendimentos não dão certo porque as pessoas não
se permitem dedicar um tempo à preparação, ao estudo”, destaca.
A
Sopro Conteúdo surgiu despois de muita preparação e quebrou protocolos
desde a concepção. Trabalha com planejamento, criação e acompanhamento
do chamado Marketing de Conteúdo Digital, que trata de geração de
conteúdo personalizado pela empresa. “É a nova forma de fazer Marketing,
porque hoje estamos tratando de um público não mais passivo, mas
interessado em ganhar algo e se sentir parte das informações que
recebe”, resume Luana.
Dentro de uma tendência
atual, o negócio deve funcionar com todos os integrantes dividindo o
ônus e o bônus do projeto. “Não queremos ser sócios da empresa, mas
desenvolver um novo modelo em que cada um responda pelo seu trabalho.”
Trabalho formal pode dar mais segurança aos novos empresários
Nem
sempre é preciso abrir mão de toda estabilidade para empreender. O
perfil atual de profissional multitarefas e acostumado a desenvolver
mais de um projeto concomitantemente pode tirar proveito desse potencial
e desenvolver o negócio com maior segurança.
É o
caso de Bruna Martins, que, ao mesmo tempo em que trabalha em uma
agência de publicidade e mantém blogs de moda, administra, cria e vende
roupas de couro da marca criada com a amiga Juliana Fett, a Love
Leather. As duas gaúchas se conheceram em 2008 em Londres, cidade que
aflorou o desejo por trabalhar com moda.
No
exterior, buscaram emprego em lojas renomadas, como Selfridge’s e GAP,
mas Bruna destaca que, assim como muitos brasileiros que vão ao país,
também trabalharam em bares de estádios de futebol, por exemplo, sem
medo de encarar todos os desafios propostos. Bruna conta que o couro
surgiu quase sem querer, ainda enquanto criavam peças para as amigas.
“Com o tempo, descobrimos um nicho de mercado para moda em couro carente
de produtos de qualidade e com preço acessível”.
Por
enquanto, a empresa está em fase de aprimoramento e galgando espaço
junto aos clientes que compram no e-commerce ou nas lojas físicas
parceiras, por isso não planejam se manter apenas com o negócio. “Não
adianta viver só de sonho, e ainda encontramos muitas pedras pelo
caminho.” Contudo, Bruna avisa que a marca já cresceu consideravelmente
em menos de dois anos, mas o desejo é que ela avance mais.
Fonte: Matéria publicada no Jornal do Comércio RS
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