A abrangência dos conceitos sendo discutidos dá uma ideia
da relevância do debate do tema o futuro da contabilidade societária
mundial.
Fernando Torres
Enquanto conclui a revisão de normas contábeis abrangentes e polêmicas como instrumentos financeiros, leasing, seguros e reconhecimento de receita, o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês) acaba de entrar em um tema ainda mais complexo, embora aparentemente simples.
O Iasb pretende rever conceitos contábeis básicos, mas ao mesmo tempo
fundamentais, como a definição de ativo e passivo, e também dar princípios sobre
quais lançamentos devem entrar na demonstração de resultados do exercício (DRE)
e quais devem ser registrados diretamente no patrimônio líquido.
O órgão internacional, com sede em Londres, colocou ontem em audiência
pública um documento para discussão com uma proposta de revisão da "Estrutura
Conceitual" do IFRS, que no Brasil é conhecida como CPC 00.
Neste documento existem hoje definições sobre conceitos como ativo, passivo,
patrimônio líquido, receita e despesa, que servem para dar sustentação teórica à
diretoria do Iasb quando ela elabora os pronunciamentos contábeis específicos.
A abrangência dos conceitos sendo discutidos dá uma ideia da relevância do
debate do tema o futuro da contabilidade societária mundial. "Esse documento
posto em discussão dá oportunidade às pessoas nos ajudarem a modelar o futuro
das demonstrações financeiras, debatendo os conceitos que guiam nosso trabalho",
declarou Hans Hoogervorst, presidente do Iasb, em comunicado divulgado ao
mercado.
A área técnica do Iasb tentou ser bem sucinta nas definições propostas e
procurou deixar clara a diferença entre a definição de um conceito como ativo ou
passivo e os critérios para sua mensuração e reconhecimento no balanço.
Conforme o texto colocado em discussão, "um ativo de uma entidade é um
recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos
passados".
Em relação à definição atual de ativo, a principal diferença é a retirada do
trecho que fala que se espera que de tais recursos "fluam futuros benefícios
econômicos" para a entidade.
Como se nota, a ênfase ficou no recurso econômico, e não no benefício gerado
por ele, o que pode ser uma fonte de discussão na audiência pública.
Do outro lado do balanço, o Iasb diz que "um passivo de uma entidade é uma
obrigação presente de a entidade transferir um recurso econômico como resultado
de eventos passados".
Nesse ponto, foi suprimido o trecho que diz que, quando da liquidação da
obrigação, "se espera que resulte na saída de recursos da entidade capazes de
gerar benefícios econômicos".
Na definição de patrimônio líquido, a área técnica do Iasb propõe que seja
mantida a definição atual, que o explica apenas pela diferença entre ativos e
passivos - ou seja, seriam ativos residuais, líquidos dos passivos.
A decisão de rever algumas dessas definições é consequência de um processo de
consulta realizado pelo Iasb, que ouviu agentes envolvidos com IFRS em todo o
mundo a respeito de que pontos deveriam estar na sua agenda futura. E a revisão
da Estrutura Conceitual ficou entre as prioridades apontadas.
As definições de ativos e passivos são apenas um dos pontos do documento
colocado em discussão ontem pelo Iasb, que tem um total de 239 páginas.
Os critérios para reconhecimento e "desreconhecimento" de ativos e passivos,
bem como o tema da mensuração por custo histórico ou valor justo também estão
contemplados.
O documento traz ainda novidades, como considerações sobre que tipo de
lançamento deve transitar pela DRE ou na conta de outros resultados abrangentes,
diretamente no patrimônio líquido. E apresenta também orientações sobre
princípios que devem ser observados para divulgação de informações, seja nas
peças contábeis como balanço patrimonial e DRE, ou nas notas explicativas, tema
que até então era abordado apenas em pronunciamentos específicos.
O documento colocado em discussão ficará em audiência pública até 14 de
janeiro de 2014. Depois de ouvir os comentários e sugestões dos interessados, o
Iasb deverá então apresentar uma minuta com um novo texto para essa parte da
Estrutura Conceitual. Feito isso, os agentes de mercado terão nova oportunidade
de fazer comentários, antes da publicação da nova versão oficial.
Sobre reconhecimento, a proposta diz que devem ser reconhecidos todos os
ativos e passivos que atenderem a definição, a não ser que o Iasb decida que o
registro do ativo ou passivo vai proporcionar uma informação não relevante para
os usuários do balanço, ou que a sua não mensuração vai resultar numa
representação suficientemente fiel do ativo e do passivo.
Por enquanto, prudência fica de fora
Contrariando a expectativa que alguns agentes econômicos tinham, a volta do
conceito de prudência para a Estrutura Conceitual do IFRS não está contemplada
diretamente na proposta apresentada ontem pelo Iasb. Mas não está totalmente
descartada.
Embora muitos contadores tenham aprendido na escola que o conservadorismo é
um princípio da contabilidade, já faz tempo que ele não integra mais os
normativos do padrão IFRS.
Primeiro ele foi substituído pelo conceito da prudência, que parecia menos
incisivo, mas depois foi totalmente eliminado, pelo entendimento de que ele
seria conflitante com o princípio da representação fidedigna da situação
patrimonial da entidade. Ou seja, não deveria haver viés.
Mas ainda que não traga uma sugestão para a retomada do conceito, o órgão
menciona que esse tema tem sido motivo de preocupação de alguns agentes e diz
que ele pode ser contemplado.
A postura de evitar mudanças se justifica pela tentativa do órgão de não
rever alterações feitas em 2010 nos capítulos iniciais da Estrutura Conceitual,
que tratam do objetivo das demonstrações financeiras e das características
qualitativas que devem ser observadas para a elaboração dos balanços - como
representação fidedigna, relevância, comparabilidade etc.
Integram a lista de temas colocados em discussão pelo Iasb também assuntos como definição de modelo de negócio, unidade de conta, entidade em marcha e manutenção de capital.
Fonte: Valor Econômico
Matéria publicada no site http://www.contadores.cnt.br/
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