Cada evento trabalhista transmitido ao eSocial será
validado e autorizado digitalmente pelas autoridades, que fornecerão um
protocolo similar ao recibo das declarações de imposto de renda. Na
prática, não trocamos seis por meia dúzia, mas sim por 600
“A carteira de trabalho é antiquada. Para a empresa contratar
100 trabalhadores, tem que dar 100 carimbadas, isso já era”. A frase é
do coordenador do Projeto eSocial, Samuel Kruger, e foi proferida
durante um evento sobre o tema realizado em 10 de dezembro de 2013,
pela Câmara Americana de Comércio, em São Paulo.
Também no ano
passado, passagem semelhante ocorreu quando a chefe do Poder Executivo
federal discursou na abertura do XIV Congresso da Federação das
Associações Comerciais do Estado de São Paulo, em Campinas. Apoiada
mais no achismo leigo do que propriamente abalizada por conceitos
técnicos, Dilma Rousseff declarou: "não podemos informatizar a
burocracia, temos de facilitar, porque a burocracia provoca custos e
desperdícios".
A exemplo da presidente, as equipes técnicas de
três importantes ministérios – Fazenda, Previdência Social e Trabalho –
parecem desconhecer um fato já percebido pelo chamado mundo real.
Após a implantação do eSocial, ao contratar 100 empregados a empresa
terá que “carimbar”, com sua assinatura digital, pelo menos 100
arquivos e continuar “carimbando” eletronicamente outras tantas
centenas por mês.
Além disso, cada evento trabalhista transmitido
ao eSocial será validado e autorizado digitalmente pelas autoridades,
que fornecerão um protocolo similar ao recibo das declarações de
imposto de renda. Na prática, não trocamos seis por meia dúzia, mas sim
por 600.
Sem contar o custo para a adaptação de sistemas,
processos empresariais, capacitação de equipes e consultorias
envolvidas na adequação à nova sistemática. Para se ter uma ideia, a
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo estima
que os custos para o comércio podem chegar a R$ 5,15 bilhões.
O
eSocial, que resumidamente pode ser entendido como o registro
eletrônico dos eventos da vida dos trabalhadores brasileiros, é um novo
componente do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) e promete
transformar a rotina de cerca de 6 milhões de empresas e de 7,2 milhões
de empregadores pessoas físicas. Participam do projeto, além dos três
ministérios já citados, o INSS e o Conselho Curador do FGTS,
representado pela Caixa Econômica Federal.
São três os seus
objetivos: viabilizar a garantia dos direitos trabalhista e
previdenciários, simplificar o cumprimento das obrigações e aprimorar a
qualidade de informações das relações de trabalho, previdenciárias e
fiscais.
O projeto provavelmente reduzirá os bilhões de reais em
fraudes no seguro desemprego e sonegação de FGTS, impostos federais e
recolhimentos previdenciários. Certamente também conseguirá aumentar a
atenção do governo em relação à qualidade das informações coletadas.
Mas,
ao substituir obrigações como GFIP, Rais, Caged e Dirf, não garante a
simplificação de seu cumprimento. Se pensarmos apenas no trabalho
operacional de digitação das informações pelas empresas haverá um
ganho, é verdade. Mas o problema da burocracia trabalhista,
previdenciária e tributária está longe de ser resolvido com uma simples
mudança operacional.
O presidente do Tribunal Superior do
Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, é enfático ao afirmar que a
nossa legislação trabalhista é cheia de lacunas, excessivamente
detalhista e confusa, o que “gera insegurança jurídica e,
inevitavelmente, descumprimento”. Não é sem motivo que o Brasil ostenta
o título de campeão mundial de processos trabalhistas, com mais de 2
milhões por ano.
Esse volume de disputas consome R$ 12 bilhões anuais para mantermos a Justiça Trabalhista.
Por outro lado, anualmente temos 250 mil empresas fiscalizadas pelo Ministério do Trabalho, das quais 22% são autuadas. Se é inevitável o descumprimento das normas trabalhistas, quantas serão punidas a partir de uma fiscalização eletrônica e conjunta promovida pelo eSocial?
O
objetivo da Presidência da República em acabar com a burocracia é
sensato. Insano é pensar que a informática poderá substituir a
simplificação da complexidade regulatória brasileira. Surreal é
acreditar que o país não precisa de reformas na área tributária e
trabalhista. Irresponsável é desconsiderar o alerta do Banco Mundial ao
publicar no relatório anual Doing Business que, nos últimos 10 anos,
180 países implementaram reformas para redução da complexidade e do
custo dos processos regulatórios.
Neste triste contexto, só o
Brasil continua à espera de um milagre promovido pela tecnologia da
informação. Afinal, a informatização da burocracia é chique, mas
continua sendo burocracia.
Autor: Roberto Dias Duarte é administrador, membro do GT de Tecnologia do
CRC-MG e coordenador do MBA Empreendedorismo Contábil no B.I.
International.
Fonte: Matéria publicada no Jornal Contábil
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