Normas internacionais de
contabilidade, chamadas IFRS na sigla em inglês, avançam de forma
positiva no País, mas exigem informações qualificadas e constante
atualização dos profissionais contábeis
Marina Schmidt
GABRIELA DI BELLA/ARQUIVO/JC
Desde 2010, quando o Brasil aderiu
às normas internacionais de contabilidade (em inglês, International
Financial Reporting Standards, IFRS) consolidou-se no País uma nova
prática contábil, que vem se desenvolvendo gradativamente desde então.
Como qualquer mudança significativa, essa também tem seus percalços
inevitáveis, mas passíveis de ajustes.
Passados quase quatro
anos de apresentação das demonstrações financeiras produzidas em
consonância com as normas internacionais, o saldo da experiência
brasileira é positivo, apesar do receio inicial e das contínuas
adequações estabelecidas visando a ajustes para os países optantes pelo
IFRS.
A alteração de processos estabeleceu uma mudança de
filosofia na elaboração de demonstrações contábeis, explica Bruno
Salotti, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis,
Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e da Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “O IFRS é um
conjunto de normas baseado em princípios e, no Brasil, tínhamos um
modelo baseado em regras. Em termos comparativos, do que havia antes
para o que existe agora, houve avanço, e não tem como negar”, valida.
Salotti
ressalta que hoje balanços e demonstrações contábeis têm melhor
qualidade, conclusão a que chegou também o terceiro estudo produzido
pela Ernest & Young (EY) em parceria com a Fipecafi para analisar a
publicação de informações financeiras pelo IFRS. “Em três anos,
obtivemos um avanço importante e o mercado todo está em uma curva de
aprendizado”, acrescenta o sócio líder do escritório da EY no Rio Grande
do Sul, Américo Franklin Neto, que também concorda com a ideia de que
as normas internacionais impulsionaram uma mudança cultural, de hábitos e
de rotina no País.
“É um processo ainda de maturação, de
conhecimento das normas, que são complexas, demandam envolvimento de
especialistas e privilegiam a essência ao invés da forma, diferentemente
da modalidade anterior que favorecia os contratos”, sintetiza o diretor
técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon),
Idésio Coelho. Fica claro que as mudanças, por mais que sejam benéficas,
não são simples. A cada novo ano, a prática diminui barreiras, mas
também torna evidente a importância de atenção às informações divulgadas
e ajustes normativos para que a proposta do IFRS não se perca.
O
saldo, depois de três anos de demonstrações financeiras apresentadas
pelo modelo do IFRS, é positivo e o maior ganho para o País foi o de
transparência nas informações prestadas, avalia Neto. “A transparência é
o maior benefício, pois qualquer país consegue entender melhor a
informação. Então, como estamos no mercado global, só destaco melhorias
para o Brasil.”
Qualificação e auditoria aprimoram demonstrações
Com
mudanças sempre em curso, as IFRS exigem de contadores e auditores
atualização constante. Idésio Coelho, diretor técnico do Ibracon,
destaca que a qualificação ainda é o maior entrave para a obtenção de
melhores resultados. “As normas não são tão obscuras a ponto de
dificultar a aplicação. O que emperra é a capacitação”, resume.
A
adequação do Brasil aos pronunciamentos ocorre dentro da normalidade,
avalia Coelho, mas é entre as empresas auditadas que têm sido
verificadas as melhores práticas, em função do treinamento mais
ajustado. “A empresa que não é auditada vive mais no seu próprio mundo,
fica sem modelo até como benchmarking e, assim, leva um tempo maior de
ajuste.”
Danilo Simões, sócio do Departamento de Práticas
Profissionais da KPMG no Brasil, lembra que a adesão brasileira foi
rápida, com anúncio feito em 2007 e aplicação em 2010, período curto
para desenvolvimento. “Do ponto de vista de formação dos profissionais e
do ambiente acadêmico, não houve tempo hábil para uma preparação
adequada. Foi uma adoção positiva para o mercado de capitais, porém, a
infraestrutura (conhecimento e maturação dos integrantes das informações
financeiras) exigiu que o aprendizado ocorresse com a prática.”
Por
outro lado, o Brasil teve a vantagem de conhecer o modelo de outros
países que já haviam adotado as normas, benefício que se perdeu a partir
de 2010, quando o País passou a ser suscetível às alterações das
regras, tendo que aplicá-las de imediato, assim como os demais países.
E, nesse ritmo dinâmico, evoluem as normas, o mercado e os
profissionais.
Excesso de notas explicativas e subjetividade prejudicam a compreensão
Ao
avaliar as demonstrações financeiras feitas por 60 companhias
brasileiras de capital aberto em 2012, o estudo da EY em parceria com a
Fipecafi concluiu que, embora tenha sido constatada uma melhora gradual
nas informações prestadas, o excesso de notas com conteúdo pouco
relevante para o leitor e a subjetividade interpretativa para algumas
regras (estabelecidas, no Brasil, pelo Comitê de Pronunciamentos
Contábeis – CPC) afastam os relatórios do objetivo central das IFRS:
diminuir as incertezas do mercado.
“Para quem está de fora,
pode dar uma impressão de que, quando você diz que adota as IFRS, as
demonstrações são 100% comparáveis às de outra empresa que também adota
as normas internacionais, porém, as próprias normas, em algumas
situações, permitem escolha e cada empresa pode seguir um caminho
específico”, alerta o doutor em Controladoria e Contabilidade Bruno
Salotti, professor da Fipecafi e da FEA-USP.
Uma situação que
ilustra bem a dificuldade promovida pela escolha de métodos distintos é
o CPC 28, que trata da propriedade para investimento. Salotti explica
que há duas possibilidades diferentes para apresentação das informações.
Uma é o modelo de custo, que registra o preço de aquisição e,
posteriormente, de depreciação. A outra é o modelo do valor justo, no
qual é considerado o preço da propriedade a cada demonstração,
revelando valorização ou desvalorização do espaço de acordo com o
mercado.
No estudo da EY, 71% das companhias com propriedade
para investimento recorreram ao modelo de custo contra 29% que optaram
pelo valor justo. Das 60 empresas avaliadas, sete apresentaram
propriedade para investimento. Dessas, cinco mensuraram as propriedades
pelo método de custo (BM&FBovespa, EcoRodovias, MRV Engenharia,
Multiplan e Sabesp) e duas pelo método de valor justo (BR Malls e BR
Properties).
“Para mostrar os impactos das escolhas contábeis
feitas pelas companhias, apresentamos os resultados que deixaram de ser
apropriados no período de 2012 pela MRV Engenharia e pela Multiplan por
terem escolhido o método de custo como avaliação de suas propriedades
para investimento.
Podemos observar que, caso as companhias MRV
Engenharia e Multiplan tivessem escolhido o valor justo, o ganho de fair
value (valor justo), respectivamente, representaria 56,97% e 487% de
seus resultados em 2012”, aponta o documento. “É um ponto de atenção.
Quem vai analisar tem que ter consciência de que não é só sair
comparando”, orienta Salotti.
A tendência, conforme avançam os
debates sobre a aplicação dos pronunciamentos, é de que as normas
restrinjam cada vez mais as opções de escolha a fim de uniformizar as
informações prestadas. “No passado, a quantidade de opções que existia
nas normas era maior e foi diminuindo. Mas as mudanças são feitas a
partir de um amplo debate. É um processo político forte, amplo e
demorado”, observa o professor da Fipecafi.
Já em relação ao
excesso de notas explicativas e à relevância das informações prestadas,
mudanças devem ser anunciadas em um prazo curto e, provavelmente no
próximo ano, o IASB anuncie procedimentos a serem adotados. “Uma coisa
patente, que tem sido ponto negativo, é que as empresas com adoção das
IFRS têm levado de maneira irracional a imposição de divulgação”,
avalia Ricardo Julio Rodil, sócio da Baker Tilly Brasil e conselheiro do
Ibracon.
Para Rodil, o excesso de notas é o maior gargalo
das IFRS. “Em última instância, a intenção das normas é dar informação
relevante ao usuário. Mas se eu faço 40 páginas de notas com a mesma
ênfase a assuntos menos relevantes e mais relevantes, fica difícil para o
leitor distinguir o que é o quê.
Isso tem se tornado um
empecilho à boa informação”, acrescenta. Danilo Simões, sócio do
Departamento de Práticas Profissionais da KPMG no Brasil, destaca que a
preocupação em reportar todas as informações solicitadas pela norma leva
muitas empresas a cumprir com essa prerrogativa de forma literal e
automática, muitas vezes poluindo a demonstração financeira. “Existem
documentos que repetem muitas informações”, ressalta.
Apesar
dos pontos em debate – que não se refletem apenas nos balanços
produzidos pelo Brasil, mas afetam todos os países adequados às normas
-, as IFRS resultaram em melhorias, trazendo maior transparência para os
dados divulgados no País e reduzindo o custo de capital, além de
melhorar a qualidade da informação contábil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário