Índice é bem inferior ao dos Estados Unidos, onde cerca de 30% das companhias conseguem emergir da crise sem ir à falência
Marina Gazzoni
Apenas
1% das empresas que pediu recuperação judicial no Brasil saiu do
processo recuperada. Desde que a lei foi criada, em fevereiro de 2005
até o último dia 10, cerca de 4 mil companhias pediram recuperação
judicial, mas só 45 voltaram a operar como empresas regulares. No
decorrer desses oito anos e meio, só 23% delas tiveram seus planos de
recuperação aprovados pelos credores, 398 faliram e a maioria dos
processos se arrasta no Judiciário sem definição final.
Os dados são de um levantamento da consultoria Corporate
Consulting e do escritório de advocacia Moraes Salles feito a pedido
do Estado. A pesquisa não considera empresas que estavam em concordata e
migraram para a recuperação judicial quando a lei foi criada.
"A maioria dos planos aprovados não é um projeto de
reestruturação para tornar a empresa viável economicamente. São
basicamente renegociações de dívidas", disse Paulo Carnaúba, sócio do
Moraes Salles e presidente da comissão de estudos em falência e
recuperação judicial da OAB/Campinas. "Isso explica em parte por que a
taxa de sucesso é tão baixa."
A recuperação judicial foi criada para substituir a antiga
concordata e evitar a falência das empresas. As companhias que
recorrerem à lei ficam blindadas de cobranças de credores por 180 dias e
deverão elaborar um plano para recuperar a empresa. Esse plano precisa
ser aprovado pelos credores e executado com sucesso pela companhia para o
processo chegar ao fim. A decisão de encerrar a ação é da Justiça.
Companhias como a calçadista Via Uno e a fabricante de
eletrodomésticos Mabe pediram recentemente recuperação judicial. Outras
como a companhia aérea Varig e a Agrenco também tentaram esse caminho,
mas faliram depois.
A próxima a entrar em recuperação judicial deve ser a OGX,
petroleira de Eike Batista, que está inadimplente por deixar de pagar
credores externos. A empresa tem até o fim do mês s para quitar o débito
e, se não o fizer, os credores poderão pedir a sua falência. O mercado
espera que a OGX recorra à recuperação judicial até o fim do mês.
"O empresário só recorre à recuperação quanto não vê outra saída.
Quem passa a decidir o futuro da empresa são os credores e a Justiça",
explica Luis de Paiva, sócio da Corporate Consulting, que participou de
mais de 200 reestruturações.
Execução. A tarefa de reerguer uma empresa envolve, no mínimo,
dois grandes desafios: ganhar a confiança dos credores e conseguir
manter a empresa operante. Muitas empresas em crise interrompem as
atividades por falta de caixa e crédito para honrar compromissos básicos
como pagar funcionários e comprar matéria-prima.
"É muito mais difícil recuperar a empresa se ela parar", avalia o
presidente da Strategos Consultoria, Telmo Schoeler, que já participou
de cerca de 150 reestruturações de empresas. "O plano de recuperação tem
de considerar de onde sairá o dinheiro para a empresa continuar a
operar nesse período."
Com a operação parada, as empresas perdem clientes e ficam com
produtos e maquinário obsoletos. Na maioria dos casos assim, é questão
de tempo para a recuperação judicial virar falência. Nos decretos de
falência, é comum encontrar afirmações de juízes de que a recuperação é
inviável porque as empresas já não existem mais.
Batalha jurídica. Os processos frequentemente se tornam uma
batalha jurídica entre credores, acionistas e administradores judiciais.
Cada um invoca a lei para tentar garantir seus interesses e a
recuperação da empresa em si fica em segundo plano. Há muitos casos
assim na história da lei brasileira.
O processo do laticínio Nilza, de Ribeirão Preto (SP), que já
teve mil funcionários e tem fábricas paradas desde 2009, virou uma
espécie de "novela". Os credores aprovaram a transferência da empresa a
um investidor, mas o processo foi contestado por um acionista -o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - e o Ministério
Público pediu a falência da empresa por suspeita de compra de votos na
assembleia de credores. Depois de uma batalha jurídica, a empresa faliu
em outubro de 2012.
"A empresa foi vendida para um grupo que não tinha intenção de
operar a fábrica. Era só para especular", disse o síndico da massa
falida, Alexandre Borges Leite. "É mais prejudicial aprovar uma
recuperação inviável do que decretar a falência."
A razão é simples: o tempo é inimigo de empresas em crise. Quanto
mais se demora para resolver a questão, menos vale a companhia e mais
difícil fica reerguer a empresa.
A Agrenco, por exemplo, pediu recuperação após uma investigação
da Polícia Federal ter deflagrado uma crise na empresa, um ano depois de
ela ter captado R$ 500 milhões na Bolsa. A ideia era simples: vender a
usina de Marialva (PR) para terminar de construir outras duas usinas e
se reerguer.
Não deu certo. O processo foi marcado por disputas judiciais
entre credores, administradores e acionistas e trocas de gestão da
empresa durante o processo. Um segundo plano foi elaborado, mas não foi
aprovado pelos credores. A companhia teve sua falência decretada em
agosto deste ano.
EUA. A recuperação judicial foi inspirada no chamado "Chapter 11"
da legislação americana. Lá, a taxa de sucesso, historicamente, varia
entre 20% e 30%, bem acima do 1% brasileiro.
A lei americana é mais aprimorada, mas as grandes diferenças são a
agilidade do processo e a maturidade do mercado em enfrentar uma
reestruturação, dizem os especialistas. Nos Estados Unidos, o
envolvimento do credor é muito maior e não se resume a aprovar ou não o
plano de recuperação.
No caso da montadora General Motors, por exemplo, que pediu
concordata em 2009, credores como o governo americano e o sindicato
United Auto Workers converteram suas dívidas em ações de uma "Nova GM". O
plano foi aprovado em cerca de 30 dias. A empresa se recuperou e os
credores venderam suas ações anos depois.
Além da GM, entraram e saíram do "Chapter 11" diversas grandes
empresas, como United Airlines, Citibank e até o banco Lehman Brothers,
estopim da crise de 2008. Por aqui, ainda não há casos de gigantes que
emergiram da recuperação judicial.
Fonte: Estadão
Matéria publicada no site http://www.contadores.cnt.br/
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